Com três indicações ao Globo de Ouro 2019 (melhor filme estrangeiro, melhor roteiro e melhor direção), Roma, do mexicano Alfonso Cuarón, estreia em circuito comercial nesta semana sob grande expectativa em todo o mundo. No entanto, o drama em preto e branco não estará em cartaz nas salas de cinemas de Belo Horizonte. Produção original da Netflix, sua apreciação será quase exclusiva para assinantes do serviço de streaming, que desde 2007, quando ingressou no formato, vem revolucionando o consumo do audiovisual no planeta. Líder no segmento com um vasto catálogo de filmes e séries e 137 milhões de assinaturas globais, a virada do ano pode marcar também a consolidação da empresa como um estúdio de grande relevância cinematográfica, apesar das polêmicas envolvendo seu sistema de exibições.
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PODERIO Vencedor do Oscar em 2013 pela direção de Gravidade, que faturou outras seis estatuetas, Cuarón declarou na première do filme, em Los Angeles, que “a experiência completa de Roma é, inquestionavelmente, em uma tela de cinema”, conforme noticiou a revista Variety. A discussão em torno do formato de exibição, contrapondo a doméstica com a projetada em tela grande, vem ganhando novos capítulos à medida que a Netflix e as outras plataformas de vídeo por demanda aumentam seu poderio. Cannes decidiu excluir de sua seleção filmes que não estrearem nos cinemas. Na Itália, recente decreto obriga os filmes a serem lançados primeiramente nas salas. Porém, antecipar o filme em algumas sessões restritas é uma estratégia para o filme figurar também na lista de indicados ao Oscar, que será divulgada em 22 de janeiro.
No início, a postura da Academia de Hollywood era de resistência ao novo formato, mas a nova gestão do presidente John Bailey vem abrindo espaço para o streaming. Foi o caso de Mudbound – Lágrimas sobre o Mississipi, original da Netflix indicado em quatro categorias neste ano. A edição de 2018 também marcou a primeira estatueta para a marca: Melhor documentário em longa-metragem por Ícaro. Para essa categoria, não é mais exigida a presença em salas fechadas. Para as demais, a tática usada – agora com Roma e ano passado com Mudbound – permite a entrada das produções da Netflix, que tem investido mais e mais em profissionais íntimos do tapete vermelho.
Ainda em 2018, o mesmo será feito com Bird box, estrelado pela melhor atriz do Oscar de 2010, Sandra Bullock (por Um sonho possível), e dirigido pela dinamarquesa Susanne Bier, de Heaven, melhor filme estrangeiro de 2011. A trama de suspense e terror estreia no catálogo dos assinantes no próximo dia 21, mas também está em algumas salas fechadas nos EUA. O procedimento também valeu para The ballad of Buster Scruggs, lançado em novembro. O filme de Ethan e Joel Coen, que ostentam estatuetas de melhor filme, direção e roteiro adaptado por Onde os fracos não têm vez (2008) e melhor roteiro original por Fargo: uma comédia de erros (1997), é uma reunião de seis diferentes contos de temática western e obteve boa resposta da crítica e do público, embora esse não possa ser mensurado em bilheterias. A Netflix tampouco costuma divulgar dados relativos à audiência das produções no streaming.
OUSADIA Apesar de não contar com grandes receitas oriundas dos ingressos, a marca tem orçamento suficiente para contratar os roteiristas, diretores e montar elencos de primeiro nível. Além da boa condição financeira, não correr o risco de fracassar nas expectativas de bilheteria permite a aposta em projetos mais ousados, o que também seduz muitos realizadores de destaque. É o caso de Bird box, cujas filmagens envolveram crianças e gravações complicadas fora de estúdio. “Pedimos à Netflix para nos permitir a fazer um filme ambicioso, não queríamos estar no estúdio, queríamos cenas na floresta, sequências com as crianças em um barco, na água, com condições adversas, coisas assustadoras, e essa é a magia que o filme traduz para a audiência”, disse o produtor Dylan Clark em conferência de imprensa realizada pela Netflix para divulgar o longa, em São Paulo, logo após a Comic Con Experience, encerrada no último domingo.
Outra produção que a Netflix promoveu na Comic Con foi Mogli – Entre dois mundos, lançado em 7 de dezembro. Historicamente voltada para o público infantil, a versão do ator e diretor inglês Andy Serkis é mais densa, com sangue e cenas mais violentas. “É um filme para toda a família, mas não é para criancinhas, porque é mais intenso”, disse o diretor na mesma conferência. Acostumado a quebrar paradigmas na sétima arte por sua trajetória na atuação em captação de movimentos para computação gráfica, dando vida a personagens como Smeagol de O senhor dos anéis, o macaco Caesar de Planeta dos macacos, além do líder supremo Snoke em Star wars, ele também falou sobre a transformação ocasionada pelo streaming.
FUTURO “A paisagem do cinema está mudando. As pessoas não estão indo ao cinema como iam antes. Uma coisa boa do streaming é que um filme como esse está sendo visto como nós o pensamos em vários países. Não é uma versão que preencha os requisitos para ser um grande blockbuster, estúdios como Warner Bros sabem desse risco. Então, essa é a maneira de fazer esse filme ser visto. A verdade é que a Netflix tem uma ambição de entrar na tela grande, muitas das pessoas que trabalham para ela vêm dessa experiência, mas o streaming está mudando as coisas e essa mudança não precisa ser mutuamente exclusiva. No futuro, imagino um mundo em que pessoas possam escolher entre ver um mesmo filme na tela grande pela experiência, ou em casa, em família, onde é mais barato”, afirmou o cineasta.
Serkis também atua em Mogli, no papel do urso Balu, criado virtualmente através da captação de seus movimentos. No mesmo processo, Benedict Cumberbatch, Cate Blanchett e Christian Bale completam o elenco de peso. O jovem Rohan Chand interpreta o “menino-lobo” em atuação tradicional. Em 2018, foram pelo menos 80 lançamentos de filmes originais da Netflix, em vários gêneros e línguas.