Cinema em BH resgata ideia de Glauber Rocha e lança a Kynoperzpektyva18

Todos os filmes do diretor baiano serão exibidos no Cine Humberto Mauro, ressaltando o diálogo da obra do cineasta com Godard, Buñuel e Fassbinder e outros

Pedro Galvão 07/12/2018 08:00
Américo Vermelho/Divulgação
(foto: Américo Vermelho/Divulgação)


Em 1981, quando morava em Sintra, nos arredores de Lisboa, Glauber Rocha planejava a mostra Kynoperzpektyva81, que ficaria em cartaz na Cinemateca Portuguesa. Sua obra seria organizada de acordo com a afinidade temática dos filmes. Em agosto, ele morreu, aos 42 anos. O projeto foi cancelado, mas a filmografia do baiano se tornou cultuada, reconhecida como uma das mais importantes e originais do mundo. Quase quatro décadas depois, o Cine Humberto Mauro resgata essa ideia. Até 23 de dezembro, serão exibidos todos os 17 documentários, longas e curtas-metragens dirigidos pelo baiano de Vitória da Conquista.

Glauber – Kynoperzpektyva18 será aberta nesta sexta-feira (7). A partir das 16h, serão exibidos os curtas Pátio (1959), Maranhão 66 (1966), Beato (1968), Amazonas, Amazonas (1966) e Jorjamado no cinema (1977). Às 19h, será a vez do longa Barravento (1961), dentro do eixo Afryka, um dos quatro que compõem o projeto. Tudo de acordo com o que Glauber faria em 1981.

Os outros eixos são Brazil Arkayko – que compreende os clássicos Deus e o diabo na terra do sol e O dragão da maldade contra o santo guerreiro –, Amerika Yberyka (Terra em transe e Cabeças cortadas) e Brazil Unyverzal (A idade da Terra). A grafia particular e o exagero nas letras k e y são uma crítica de Glauber ao estrangeirismo presente no cinema brasileiro nos anos 1950.

“A programação busca tornar acessível não só a fruição, mas a reflexão sobre a obra de Glauber Rocha. Nossa ideia é oferecer o que o Cine Humberto Mauro faz de melhor: a imersão estética e acadêmica, com crítica, refinamento e aprofundamento em torno da obra, que por si só já atrai grande quantidade de gente para o cinema”, explica Bruno Hilário, gerente do espaço e um dos curadores do projeto. “Pensamos em realizar essa mostra há um bom tempo, só agora reunimos os elementos que possibilitaram isso. Pensamos a programação em conjunto com todos os colaboradores”, observa.

DIÁLOGOS Professor de cinema na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da obra de Glauber Rocha, o belo-horizontino Matheus Araújo é um dos curadores de Kynoperzpektyva18. Ele vai ministrar o curso Diálogos glauberianos. A proposta é exibir longas de cineastas estrangeiros que têm relação com a obra do brasileiro. Entre eles estão Jean-Luc Godard, Luis Buñuel, Mario Schifano, Rainer Werner Fassbinder, Jean-Marie Straub, Danièl Huillet e Jean Rouch.

“Glauber é dos cineastas mais porosos, mais dialogantes que conhecemos. Desenvolveu atividade crítica constante e importante ao longo de toda sua vida. Conhecia muitos diretores, travava diálogos importantes com eles, porque prestou muita atenção ao cinema mundial. Tinha enorme originalidade, nunca tentou imitar ou se pautar pelos outros, mas estava muito informado a respeito do trabalho dos outros. Acho muito importante pensar o cinema comparado, pois ganhamos muita compreensão do trabalho dele fazendo isso à luz da comparação com trabalhos de outros”, argumenta Matheus Araújo.

O ciclo de sete palestras começa no dia 17. Serão exibidos Que viva México! (URSS, 1979), de Sergei M. Eisenstein, e A idade da Terra, com a palestra Glauber e Eisenstein: Reexame de paternidade, a cargo de Matheus Araújo. De acordo com o professor, a curadoria da mostra possibilita a comparação em dois níveis: o externo, com outros cineastas, e o interno, ao agrupar os filmes por afinidade temática.

“Isso cria, por contraste, uma porta de entrada muito interessante para medir a originalidade do Glauber no cinema mundial. Quando se comparam cineastas de temáticas parecidas, gestos estilísticos parecidos, você percebe o quanto cada um é original ao ver como as soluções utilizadas não são iguais. Esse será o espírito da retrospectiva”, explica Matheus Araújo.

De acordo com ele, a proposta comparativa oferecida pelo Cine Humberto Mauro é inédita. “Em 2005, no CCBB do Rio, houve uma mostra de Glauber com o Pasolini, sugerindo afinidades dos dois. Mas esta agora generaliza mais, são outros cineastas. Das mostras que conheço, nenhuma levou tão longe as ideias de comparatismo”, revela.

“O Cine Humberto Mauro é um cinema atemporal, que vai viver muitos anos e já foi adotado pela cidade. A população faz este lugar ainda mais democrático. Escolhemos o Glauber Rocha justamente por isso”, observa Bruno Hilário. “Uma das grandes críticas dele ao cinema brasileiro se dá justamente pelo fato de nossa cultura ser pautada pelo regime comercial norte-americano. Por isso, comemoraremos nossos 40 anos com o cineasta, pois ele é um norte para a nossa programação. Sempre nos propomos a revisitar diversos diretores, com foco principal no cinema de autor, além de pesquisas e debates”, conclui o gerente do Cine Humberto Mauro.

GLAUBER – KYNOPERZPEKTYVA18

SEXTA (7)
Curtas 1, 16h. Curtas 2, 17h. Barravento, 19h. Sessão comentada pela professora Claudia Mesquita.
SÁBADO (8)
Terra em transe, 15h. Cabeças cortadas, 17h. O leão de sete cabeças, 19h. Sessão comentada pelo crítico Heitor Augusto.
DOMINGO (9)
Câncer, 16h. Deus e o diabo na terra do sol, 18h.
Sessão comentada pelo ator Ney Piacentini.

>> Até 23 de dezembro, no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro,
(31) 3236-7400. Entrada franca.
Programação completa: www.fcs.mg.gov.br

OBRA

 Longas

» 1962 – Barravento


» 1964 – Deus e o diabo na terra do sol
» 1967 – Terra em transe


» 1968 – O dragão da maldade contra o santo guerreiro
» 1970 – Cabeças cortadas
» 1971 – O leão de sete cabeças
» 1972 – Câncer
» 1975 – Claro
» 1980 – A idade da Terra

Curtas e documentários

» 1959 – Pátio
» 1959 – Cruz na praça
» 1965 – Amazonas, Amazonas
» 1966 – Maranhão 66 B
» 1974 – História do Brasil
» 1974 – As armas e o povo
» 1977 – Di-Glauber
» 1979 – Jorjamado no cinema

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