Foram vários cineastas que tomaram o circo como representação metafórica da grandeza e da miséria humanas. O tema já seduziu autores como Ingmar Bergman (Noites de circo), Charles Chaplin (O circo), Cecil B. de Mille (O maior espetáculo da Terra), Max Ophüls (Lola Montès) etc. Agora, o brasileiro Cacá Diegues apresenta O Grande Circo Místico, que estreou esta semana em todo o Brasil.
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'O Grande circo místico' é o candidato do Brasil ao Oscar 2019Em 'Jogo do dinheiro', Jodie Foster mostra que o mundo financeiro se transformou em circoItália obriga filmes a estrear primeiro nos cinemasO filme é inspirado na obra de Jorge de Lima, cuja alcunha de “poeta” se deve ao fato de que metade de sua obra literária é constituída de poemas e sonetos. Mas Jorge de Lima escreveu também romances, a par do seu complexo A invenção de Orfeu, poema que, pela diversidade de formas e ritmos, desafia classificações. A admiração de Cacá pelo escritor é antiga, produto de uma vida inteira, por parte de Cacá. Há 12 anos, ele havia realizado seu último filme como diretor, O maior amor do mundo. Não se manteve inativo.
Voltou a Jorge de Lima. Escolheu O Grande Circo Místico, um pouco por causa do espetáculo com música de Chico Buarque e Edu Lobo – que não viu, mas a trilha o acompanha sempre. “O poema conta a história de uma família ao longo de 100 anos. Fulano e fulana casaram-se, tiveram tal filho, que conheceu não sei quem, tiveram um filho ou filha, que se casou com... E assim vai até o desfecho com as duas garotas no trapézio.”
Halley Com o roteirista George Moura, a grande dificuldade foi criar uma estrutura narrativa para preencher esse século. “Usamos a passagem do Cometa Halley pelo Brasil e criamos o meneur du jeu, o apresentador do circo, Celavie, interpretado por Jesuíta Barbosa.”
O filme já esteve no Festival de Cannes (fora de concurso), abriu Gramado e encerrou o Festival do Rio, no fim de semana. É o candidato do Brasil para concorrer a uma vaga no Oscar.
No total, são 87 países disputando as cinco vagas – uma lista de nove pré-indicados pela Academia será divulgada no começo do ano. Os cinco definitivos somente em 22 de janeiro de 2019, com todos os demais indicados. A premiação ocorrerá um mês depois, em 24 de janeiro. Cacá está feliz por estar nessa corrida mais uma vez.
desabafo É o primeiro a fazer o que pode parecer uma autocrítica, mas talvez seja só um desabafo. “É meu filme mais megalômano, nunca mais quero repetir a experiência.” Aos problemas de um filme grande, somaram-se outros, de ordem mais pessoal. Sua filha ficou doente – já está bem, mas ele não quer falar sobre isso – e a produção parou.
Cacá está vivíssimo, e já sonhando com o próximo filme – A dama, uma história que volta à herança da ditadura militar. Pessoas que integraram a luta armada foram presas e exiladas, e são reunidas numa casa. Por que, por quem? Um acerto de contas? “Com certeza”, e mais Cacá não antecipa, um pouco por causa do spoiler e também porque é um filme de atores, e ele ainda está montando o elenco. Por enquanto, só O Grande Circo Místico. “Senhoras e senhores”, anuncia Celavie, “o espetáculo vai começar”. Cacá colocou muita energia nesse projeto. Sabe que o ano está sendo difícil para o cinema brasileiro, mas não perde a esperança de uma boa acolhida.
E não perde a esperança no Brasil.
Entrevista
Cacá Diegues,
cineasta
‘O cinema não é a realidade’
O Grande Circo Místico é o sétimo filme de Cacá Diegues a tentar a indicação para o Oscar desde Xica da Silva, em 1977. Tentaram, depois, Bye-bye Brasil, Um trem para as estrelas, Dias melhores virão, Tieta do Agreste e Orfeu.
Como você recebeu a pré-indicação pelo Brasil?
O Grande Circo Místico foi selecionado por uma comissão da Academia Brasileira de Cinema, nomeada pelo MinC. Essa escolha me honra e me faz feliz, pois tenho certeza de que vivemos um momento excepcional no cinema brasileiro, talvez o período mais rico quantitativa e qualitativamente de nosso cinema, com a diversidade que nunca tivemos antes, diversidade regional, geracional, política, estética, cinematográfica etc., com uma nova geração de cineastas fazendo filmes excelentes.
Qual vai ser a estratégia para seduzir a Academia?
No fim de novembro, vou a Los Angeles para mostrar o filme e conversar com a imprensa e os eleitores do Oscar. Não temos recursos para grandes campanhas, como outros filmes de outros países, que, além de festas e coquetéis, promovem eventos extraordinários para lançá-los na competição.
Sua expectativa é alta?
É justa. Não podemos transformar o Oscar no juiz supremo de nossos filmes. Se ganharmos alguma coisa, tanto melhor para a promoção do cinema brasileiro. Ele será falado durante pelo menos mais um ano, até o próximo Oscar. Mas não é o Oscar e seus eleitores que decidem se um filme brasileiro é bom ou ruim, não iremos a Los Angeles para isso. O juiz supremo de nossos filmes somos nós mesmos, os espectadores brasileiros.
Você trabalha, no Circo Místico, com um elenco que, além de extenso, é internacional. Como foi reunir essa turma, e dirigi-la?
Já dirigi Jeanne Moreau, que talvez tenha sido a maior ícone do cinema autoral e ela foi excepcional em Joanna Francesa. Ficamos amigos. Queria ter aqui Isabelle Huppert, mas o filme atrasou e ela não teve data. Terminei escolhendo a Catherine Mouchet, de um filme mítico, Thérèse. Todo o mundo se empenhou muito. A Mariana Ximenes passou meses treinando o trapézio para dispensar dublê. O mais importante é que todo o elenco deu o tipo de interpretação não naturalista que eu sempre quero. O cinema não é a realidade. É uma janela, uma representação dela. Podem falar o que quiserem do meu filme, menos do elenco. (Estadão Conteúdo) .