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Cineasta gaúcho prepara documentário sobre arquitetura brasileira modernista


Desassociar Nova York dos arranha-céus de Manhattan é tarefa quase impossível para um turista. Por outro lado, em algumas das principais metrópoles brasileiras, construções como o Copan, em São Paulo, o Palácio Capanema, no Rio, ou o edifício Niemeyer, popularmente conhecido como ‘Belo Horizonte’, na capital mineira, por vezes passam despercebidos pelos moradores, na correria cotidiana.


Não é esse o caso do diretor gaúcho Fabiano Maciel. O estilo modernista dessas construções, onipresente em Brasília desde a planta inicial, é tema de seu próximo documentário. Com filmagens recém-iniciadas, Quando o Brasil era moderno vai tentar mostrar que, apesar das novas possibilidades tecnológicas e dos recursos digitais do século 21, na arquitetura brasileira é preciso olhar para o passado para se encontrar o moderno.

Entusiasta do assunto, Maciel já havia tratado da vida e da obra de Oscar Niemeyer (1907-2012) em A vida é um sopro, de 2007. A produção do longa sobre o maior arquiteto brasileiro durou quase 10 anos. Agora, ele pretende ampliar seu ângulo no tratamento do assunto. “Niemeyer era o mestre, mas tivemos toda uma geração de arquitetos brilhantes, eram mais de 100 com trabalhos sofisticadíssimos”, diz o diretor, que esteve em Belo Horizonte na semana passada, filmando o Complexo da Pampulha, a Praça da Liberdade e a Cidade Administrativa.

Com roteiro assinado por Lauro Cavalcanti, a ideia do filme é mostrar como os traços modernistas mudaram a imagem do Brasil. “Existia um projeto de país pensado pelos modernistas, que começou a ser consolidado nos anos 1930, durante o Estado Novo.
Getúlio Vargas, bem ou mal, queria essa imagem nova do Brasil, então permitiu que a arquitetura moderna se consolidasse. O que conto no filme é que, em seu gabinete, Gustavo Capanema (ministro da Educação na época e responsável por essas questões) estava cercado de intelectuais brilhantes, à direita e à esquerda, Carlos Drummond de Andrade, Rodrigo Melo Franco, Lucio Costa e, na questão da arquitetura, os modernos ganharam a batalha contra os acadêmicos e coloniais. Eles conseguiram definir como seria o estilo do país pelos próximos 30 anos”, explica o diretor.

LABORATÓRIO

As filmagens começaram em Brasília, na última semana. As locações ainda incluirão São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Niterói e Missões, no Rio Grande do Sul, por causa do Museu das Missões, projetado por Lúcio Costa. O interior de Minas Gerais também aparecerá, com Ouro Preto e Diamantina representando cenários do estilo colonial, e Cataguases, considerada por Fabiano Maciel “um caso único”. Segundo ele, o município na Zona da Mata é “quase um laboratório do modernismo brasileiro”, com pelo menos 200 construções modernas de vários arquitetos, incluindo Niemeyer, que projetou, por exemplo, o Colégio Cataguases. A obra conta com um jardim projetado por Roberto Burle Max e um mural de Cândido Portinari.

A capital do estado merece destaque especial, na visão do diretor.
“Aqui tem o caso mais emblemático, que é a Pampulha. Ela joga o Niemeyer no mundo. O prédio do Ministério da Educação e Saúde (Palácio Capanema), no Rio, ainda tinha o traço do Le Corbusier. A Pampulha faz Niemeyer virar Niemeyer, o complexo encanta arquitetos do mundo inteiro e tem gente que até acha mais interessante que Brasília”, observa.

Utilizando drone, que, segundo ele, “faz mais o papel de grua, para acessar lugares onde não conseguiríamos chegar”, e câmera convencional, a equipe de filmagem esteve na Casa do Baile, na Casa JK e também no Museu de Arte da Pampulha, onde presenciou uma situação que ilustra bem a relação atual do país com suas próprias obras.

“Duas excursões de turistas da Suécia foram até lá, e eles ficaram decepcionados, porque estava fechado (o museu não abre às segundas). São pessoas que admiram a arte e vieram aqui por isso. Ninguém vem ao Brasil para ver shopping center ou para ver os prédios da Savassi ou dos Jardins. Vêm para ver Niemeyer e Brasília. É algo que deixou uma marca.
Uma coisa que queremos contar no filme é como um país subdesenvolvido, atrasado, da periferia do mundo, conseguiu fazer uma arquitetura tão revolucionária e tão sofisticada”, afirma o diretor, citando que Nova York não tinha nenhum edifício com fachada de vidro quando o Palácio Capanema, inaugurado em 1943, foi projetado no Rio de Janeiro.

O diretor entende que a arquitetura modernista não esteve apenas nos hospitais, rodoviárias, cinemas, lojas, restaurantes erguidos na época em que o Brasil acelerava sua urbanização, mas também no mobiliário, no design gráfico e em outras áreas criativas. “Os pilares do Brasil até o golpe de 1964 foram determinados nos anos 1930. Muito do que os conservadores tentaram acabar são avanços daquele período. E, curiosamente, estamos em outro momento conservador e, apesar de termos ainda bons arquitetos, o que a se vê construído hoje no Brasil é medíocre”, afirma Maciel.

Além das gravações das obras modernistas em sua condição atual, o documentário incluirá imagens de arquivo e entrevistas com especialistas e arquitetos do Brasil e do exterior. A duração deve ser de aproximadamente uma hora e meia. O objetivo do diretor é ter Quando o Brasil era moderno selecionado pelo Festival de Brasília em 2019, que abrigaria sua primeira exibição pública. A estreia nos cinemas está prevista para 2020, ano em que o Rio de Janeiro receberá o Congresso Internacional de Arquitetura.



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