“Ô sorte!”, dizia sempre o baterista e percussionista Wilson das Neves (1936-2017). Na casa de amigos, o carioca nascido no Bairro da Glória reverencia os orixás, enquanto conta como foi bom ter desfilado pela Escola Império Serrano. “É meu pai Ossain, meu pai de cabeça. Branco, verde e amarelo como é meu Império Serrano. Branco e marrom é Xangô, que é meu padrinho. Agunlá, que é nosso adivinho. Aqui, mamãe Oxum. Aqui é Iemanjá, minha madrinha. São minha segurança para onde vou”, diz o sambista, enquanto coloca as guias dos orixás com as diferentes cores no pescoço, dentro de um “quarto de santo”. “Não peço nada aos orixás. Eu só agradeço.”
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A equipe de filmagem pôde testemunhar os últimos anos da carreira de Wilson das Neves, período no qual houve crescente reconhecimento de sua importância no cenário da música brasileira. “Wilson era um cara engraçado, inteligente, muito crítico. Era o centro das atenções. Conseguia chamar para si essa atenção, sendo sagaz. Com respostas inteligentes, fazia as pessoas rirem nos bastidores”, afirma o diretor. O samba é meu dom ficou pronto pouco tempo antes da morte do músico, que chegou a assistir ao documentário.
EXIBIÇÃO NA TV - O filme será apresentado também no Festival Rio, no mês que vem, antes de entrar na grade de programação do Canal Brasil. Abud relata que a origem do projeto foi um show de Wilson das Neves em Belo Horizonte, com produção de Alexandre Segundo, que o convidou para gravar o que seria um DVD.
De 2007 a 2009, Cristiano Abud acompanhou o sambista em shows e viagens pelo Brasil. “Não tinha ideia de como poderíamos viabilizar economicamente o documentário. Pensava que poderia fazer a captação (de recursos) a qualquer momento. Foi uma inocência nossa.”
O filme traz imagens de Wilson das Neves tocando com Chico Buarque, de quem foi baterista durante 35 anos, e desfilando na Marquês de Sapucaí pela Império Serrano. Os registros de shows são entremeados por entrevistas com personalidades da música, como Hermínio Bello de Carvalho, Chico Buarque, Elza Soares e Paulo César Pinheiro
Há ainda imagens de momentos privados de Wilson das Neves, com a família, os amigos e a bateria. Mas o diretor afirma não se tratar de uma cinebiografia. “Fizemos outra montagem. O retrato da persona de músico do seu Wilson.” Para Abud, O samba é meu dom é “um filme de arquivo”, que reúne memórias guardadas nas imagens gravadas pela equipe entre 2009 e 2012, imagens da década de 1940, garimpadas em acervos no Brasil e no exterior, e do arquivo pessoal do músico, que cedeu fotos e vídeos. “Tudo foi feito no calor do momento, para não se perder o registro histórico. Não há cenas refilmadas nem encenadas.”
Wilson das Neves começou a tocar bateria incentivado pelo percussionista Edgar Nunes Rocca, na virada da década de 1940 para a de 1950. Tornou-se um dos principais sambistas do Império Serrano e foi parceiro de Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Ney Lopes, Cláudio Jorge, Martinho da Vila, Moacyr Luz e Chico Buarque.