A trajetória da ativista LGBT Tamara Adrián – que se tornou a primeira pessoa transexual a integrar a Assembleia Nacional da Venezuela, em 2015 –, inspirou o filme Tamara, da cineasta Elia Schneider, que estreia nesta quinta-feira (25), em Belo Horizonte. O longa acompanha o processo de transição do advogado e professor Teo (Luis Fernández), um distinto pai de família, que guarda em segredo o fato de não se reconhecer no corpo de homem.
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Em contato com travestis e transexuais, Teo adquire força para investir na hormonização feminina. O filme acompanha o processo de aceitação e mudança de comportamento da personagem, sem demarcar, em nenhuma passagem, sua descoberta como uma pessoa trans. Afinal, não há descoberta para algo que o acompanha desde o início da vida. “Quero ser a pessoa que sou, desde que nasci”, justifica Tamara, quando decide se submeter à cirurgia de redesignação sexual.
Os filmes dirigidos por Elia Schneider costumam lançar um olhar para questões políticas e sociais pulsantes. “Como filha de sobreviventes do Holocausto, os assuntos relacionados às minorias e aos direitos humanos sempre me pareceram convidativos”, afirma a cineasta em entrevista ao Estado de Minas.
“O que me motivou (a dirigir Tamara) é a pouca difusão de algo tão importante como a comunidade trans. Muito se fala a respeito, mas não há, na maioria dos debates, uma tentativa de se aprofundar nessa minoria que é tão estigmatizada. Isso ocorre em todo o mundo, em especial em sociedades machistas e patriarcais como a da Venezuela, que vê a comunidade LGBTI de forma tão preconceituosa e onde há tantas mortes e crimes de ódio”, diz a diretora.
O filho da cineasta, que estuda direito, foi quem apresentou Tamara para a mãe e intermediou o contato entre elas. Após uma série de entrevistas com a ativista, Elia decidiu que tinha, ali, seu novo filme. “Também entrevistei várias outras pessoas trans. Quis fazer uma ficção, porque um documentário seria demasiadamente limitador para contar essa história. Senti que a ficção teria mais poder, e Tamara concordou desde o início”, conta Elia.
Assista ao trailer:
SUPERVISÃO Tamara Adrian esteve presente em todo o processo de concepção do filme, inclusive nos festivais em que foi exibido. Não foi intenção de Elia fazer uma cinebiografia da ativista, mas criar uma história tendo sua trajetória como molde. Experiências de sua vida foram transpostas para a narrativa – como trâmites legais para a mudança de gênero e do nome social em documentos, a hostilidade dos alunos e colegas de trabalho, além da dificuldade em garantir direitos básicos, como atendimento médico.
Para defender a personagem principal, foi escalado um ator cisgênero: Luis Fernández, rosto conhecido da TV venezuelana. “A definição se deu após uma reflexão do Luis, durante sua entrevista, de que tinha um forte equilíbrio interior entre o masculino e o feminino. Isso deu à sua interpretação um tom mais natural. Ele pôde conservar um realismo e uma sobriedade que eram importantes para a personagem”, avalia Elia.
“Quisemos ressaltar não só a transexualidade, mas também a solidão e a emotividade que envolvem as pessoas trans”, afirma a diretora. A protagonista enfrenta dilemas afetivos, como a resistência de sua esposa e dos filhos em aceitar a transição sexual. Seu affair com uma jovem estudante também é colocado em xeque quando anuncia a necessidade de assumir um corpo feminino.
FANTÁSTICA A abordagem pode remeter ao filme chileno Uma mulher fantástica, que venceu neste ano o Oscar de filme estrangeiro. Porém, Tamara foi filmado em 2013, antes do lançamento do longa de Sebastián Lelio. Enquanto Uma mulher fantástica adota uma linha mais sutil em sua abordagem, Elia Schneider parece querer derrubar paradigmas em torno da transexualidade.
A diferença fica evidente, segundo a diretora, na sequência de Uma mulher fantástica em que Marina (Daniela Vega) fica nua durante um exame, mas a câmera desvia da genitália da atriz. “Aquilo me chamou a atenção, porque é, sem dúvida, a parte do corpo mais estigmatizada da pessoa trans. Uma mulher com um pênis é algo que a sociedade não aceita, não quer ver”, observa. Em Tamara, por outro lado, a nudez frontal é vastamente explorada.
“Quando se escreve um personagem que pertence a uma minoria, é importante não retratá-lo com uma espécie de pena”, diz Elia. “É como se esses personagens se tornassem inferiores. Ao contrário, são pessoas fortes, que lutam por seus direitos. Tamara é exatamente assim: além de sua força, é uma mulher que nunca olha para atrás, está sempre interessada no progresso. O caminho para construir uma sociedade mais igualitária é o da aceitação da força e das necessidades das minorias.”