"Queria que o espectador se sentisse na Lua, em uma realidade virtual, que entrasse nas botas de Armstrong, dando os passos em primeira pessoa.” Foi assim que o cineasta Damien Chazelle (Whiplash - Em busca da perfeição, La la land – Cantando estações) definiu sua intenção com O primeiro homem, ao apresentá-lo no 75º Festival de Veneza (29/8 a 9/9).
O filme – que estreia nesta quinta (18) nos cinemas brasileiros – traz uma meticulosa reconstituição da viagem espacial, do pouso e do desembarque do astronauta Neil Armstrong (Ryan Gosling) na superfície da Lua, em 20 de julho de 1969.
Mas O primeiro homem leva o espectador a entrar na pele de Armstrong oito anos antes, quando a NASA dava início ao projeto Gemini (que resultou na chegada do homem à Lua), e Karen, filha de Armstrong, morria de câncer, com três anos de idade ainda incompletos.
saiba mais
Netflix produzirá primeira série musical de Damien Chazelle
Novo filme de Damien Chazelle, diretor de 'Whiplash', vai abrir 73º Festival de Veneza, em agosto
Damien Chazelle, diretor de 'La la land', entre o choque e a honra com o Oscar
Papa e Martin Scorsese dialogam em novo trabalho
Guillermo del Toro fará filme sobre Pinóquio para Netflix
Em entrevista para a revista GQ, Ryan Gosling contou que, no set de filmagens, ele e o diretor se referiam a essa escolha com a frase “a ida à Lua e a pia da cozinha”.
Está claro, portanto, que Damien Chazelle não pretendeu dar ao primeiro homem a pisar na Lua a imagem de um titã, mas o Armstrong do longa é certamente alguém com nervos de aço e muito pouca propensão a demonstrar emoções.
VIAGEM ANALÓGICA
A dificuldade da missão espacial fica muito mais patente do que em outros filmes sobre o tema quando a reconstituição feita por Chazelle nos lembra que essa “foi uma viagem analógica, manual”, como ele também declarou em Veneza. A precariedade das situações (inéditas) a que os astronautas se submeteram nos testes (o que custou a vida de ao menos cinco deles) é resumida no longa pelo desabafo de Janet Armstrong (Claire Foy), a mulher do astronauta, num momento de extrema tensão, quando seu marido está no espaço e ela acusa o comando da NASA de ser “um bando de meninos brincando” e que apenas finge ter tudo sob controle, quando, na realidade, não têm nada sob controle.
A capacidade de Armstrong de manter a calma e o autocontrole nas situações mais extremas é decisiva para sua escalação como o comandante da nave que finalmente fará o pouso. O reverso dessa moeda é sua falta de entusiasmo ao falar do assunto na entrevista coletiva que a NASA organiza previamente ao lançamento da Apollo 11.
Para dezenas de repórteres sedentos por declarações hiperbólicas sobre a ida à Lua, Armstrong exibe uma fleuma que lhe dá um ar de indiferença. Obviamente o astronauta que dedicou anos de estudos e treinamentos e arriscou sua vida por essa missão não pode ser indiferente a ela.
Mas a percepção pública da corrida espacial não é um detalhe, como bem pontua o filme de Chazelle. Os questionamentos de grupos civis às razões de fundo para a ida à Lua (no contexto da Guerra Fria) e a sinuca para convencer o Congresso a aprovar o orçamento igualmente estratosférico da empreitada estão descritos no longa.
O primeiro homem encontra um modo de reproduzir o discurso do presidente J. F. Kennedy em defesa da ideia dessa conquista inédita. As reações mesmerizadas do público que assistiu à transmissão ao vivo daquele que foi “um pequeno passo para um homem e um salto gigante para a humanidade” também encontram seu lugar na história.
Mesmo no clímax da trama, ou seja, o momento da chegada à Lua, Chazelle não abriu mão de sua escolha por retratar tanto o homem de família quanto o astronauta. E a cena em que Neil (Gosling) presta uma (emocionada!) homenagem à filha Karen na superfície lunar se tornou alvo de debate na imprensa americana, com direito a ouvir James Hansen sobre o assunto.
O biógrafo de Armstrong não tem condições nem de confirmar nem de descartar a versão de Chazelle. A própria discussão, no entanto, revela o quanto O primeiro homem foi tomado como um documentário do qual se exige fidelidade absoluta aos fatos. Esse resultado é mérito do sucesso de Chazelle em fazer uma reconstituição tão meticulosa que, de fato, consegue colocar o espectador “nas botas de Armstrong” para seguir numa viagem tão acidentada quanto inesquecível.