"Queria que o espectador se sentisse na Lua, em uma realidade virtual, que entrasse nas botas de Armstrong, dando os passos em primeira pessoa.” Foi assim que o cineasta Damien Chazelle (Whiplash - Em busca da perfeição, La la land – Cantando estações) definiu sua intenção com O primeiro homem, ao apresentá-lo no 75º Festival de Veneza (29/8 a 9/9).
O filme – que estreia nesta quinta (18) nos cinemas brasileiros – traz uma meticulosa reconstituição da viagem espacial, do pouso e do desembarque do astronauta Neil Armstrong (Ryan Gosling) na superfície da Lua, em 20 de julho de 1969.
Mas O primeiro homem leva o espectador a entrar na pele de Armstrong oito anos antes, quando a NASA dava início ao projeto Gemini (que resultou na chegada do homem à Lua), e Karen, filha de Armstrong, morria de câncer, com três anos de idade ainda incompletos.
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Está claro, portanto, que Damien Chazelle não pretendeu dar ao primeiro homem a pisar na Lua a imagem de um titã, mas o Armstrong do longa é certamente alguém com nervos de aço e muito pouca propensão a demonstrar emoções.
VIAGEM ANALÓGICA
A dificuldade da missão espacial fica muito mais patente do que em outros filmes sobre o tema quando a reconstituição feita por Chazelle nos lembra que essa “foi uma viagem analógica, manual”, como ele também declarou em Veneza. A precariedade das situações (inéditas) a que os astronautas se submeteram nos testes (o que custou a vida de ao menos cinco deles) é resumida no longa pelo desabafo de Janet Armstrong (Claire Foy), a mulher do astronauta, num momento de extrema tensão, quando seu marido está no espaço e ela acusa o comando da NASA de ser “um bando de meninos brincando” e que apenas finge ter tudo sob controle, quando, na realidade, não têm nada sob controle.
A capacidade de Armstrong de manter a calma e o autocontrole nas situações mais extremas é decisiva para sua escalação como o comandante da nave que finalmente fará o pouso. O reverso dessa moeda é sua falta de entusiasmo ao falar do assunto na entrevista coletiva que a NASA organiza previamente ao lançamento da Apollo 11.
Para dezenas de repórteres sedentos por declarações hiperbólicas sobre a ida à Lua, Armstrong exibe uma fleuma que lhe dá um ar de indiferença. Obviamente o astronauta que dedicou anos de estudos e treinamentos e arriscou sua vida por essa missão não pode ser indiferente a ela.
Mas a percepção pública da corrida espacial não é um detalhe, como bem pontua o filme de Chazelle. Os questionamentos de grupos civis às razões de fundo para a ida à Lua (no contexto da Guerra Fria) e a sinuca para convencer o Congresso a aprovar o orçamento igualmente estratosférico da empreitada estão descritos no longa.
O primeiro homem encontra um modo de reproduzir o discurso do presidente J. F. Kennedy em defesa da ideia dessa conquista inédita. As reações mesmerizadas do público que assistiu à transmissão ao vivo daquele que foi “um pequeno passo para um homem e um salto gigante para a humanidade” também encontram seu lugar na história.
Mesmo no clímax da trama, ou seja, o momento da chegada à Lua, Chazelle não abriu mão de sua escolha por retratar tanto o homem de família quanto o astronauta. E a cena em que Neil (Gosling) presta uma (emocionada!) homenagem à filha Karen na superfície lunar se tornou alvo de debate na imprensa americana, com direito a ouvir James Hansen sobre o assunto.
O biógrafo de Armstrong não tem condições nem de confirmar nem de descartar a versão de Chazelle. A própria discussão, no entanto, revela o quanto O primeiro homem foi tomado como um documentário do qual se exige fidelidade absoluta aos fatos. Esse resultado é mérito do sucesso de Chazelle em fazer uma reconstituição tão meticulosa que, de fato, consegue colocar o espectador “nas botas de Armstrong” para seguir numa viagem tão acidentada quanto inesquecível..