Tradicional vitrine do cinema brasileiro, a Première Brasil, do Festival do Rio, sofre o efeito da crise, que já provocou a alteração da data do evento. Neste ano, o festival ocorrerá em novembro (de 1º a 12), após a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (18/10 a 31/10). Como consequência, a Première Brasil abre mão do ineditismo, e a maioria dos filmes passará antes em São Paulo.
Mas nem tudo será repeteco – a programação terá seus inéditos, e eles vão incrementar o glamour do tapete vermelho carioca. No total, a Première, que ampliou sua grade, abrindo espaço para as mostras Novos Rumos e Retratos, deve apresentar 48 longas e 20 curtas, ou seja, 68 títulos. No festival inteiro, distribuídos pelas demais seções, serão 84 produções brasileiras – 64 longas e 20 curtas, mas somente os filmes da Première concorrerão ao Prêmio Petrobras de Cinema, que também é outorgado em São Paulo.
A mostra paulista premia os longas brasileiros nas categorias de ficção e documentário. No Rio, os prêmios de R$ 200 mil e R$ 100 mil, que a Petrobras oferece como incentivo à distribuição comercial, serão entregues aos vencedores da Première e da mostra Novos Rumos. O festival será inaugurado dia 1º com a exibição de um filme que dificilmente não estará entre os indicados para o próximo Oscar – As viúvas é um remake atualizado da minissérie de Lynda La Plante que há 35 anos fez a cabeça do jovem Steve McQueen. Em época de empoderamento feminino, o cineasta radicaliza e mostra mulheres – as viúvas de um grupo de ladrões profissionais – que resolvem ir adiante com o grande golpe que os maridos vinham preparando. O filme com Viola Davis, Michelle Rodriguez, Elizabeth Debicki e Cynthia Erivo tem reviravoltas de cortar o fôlego e, ainda por cima, sua trama estrutura-se sobre um fundo de racismo e corrupção na política.
FORÇA McQueen não abre mão do seu cinema autoral. Hunger, Shame, 12 anos de escravidão. Mesmo num thriller aparentemente mais comercial, ele imprime o background social e político e ainda arranca interpretações viscerais de um elenco fortemente feminino, mas no qual os homens também marcam presença. Liam Neeson, Colin Farrell, Daniel Kaluuya. Quem acredita que vai ver outro filme na trilha de Oito mulheres e um segredo, de Steven Soderbergh, não perde por esperar – o alcance e a força são muito maiores.
Para o encerramento, o Rio anuncia o representante do Brasil na disputa para o Oscar – O Grande Circo Místico, de Cacá Diegues, com Jesuíta Barbosa como mestre de cerimônias num circo que atravessa um século de história do país. O festival também anuncia que vai exibir quatro clássicos nacionais restaurados. Dois estarão na Mostra – Central do Brasil, comemorando os 20 anos do grande filme de Walter Salles, com Fernanda Montenegro e Vinicius de Oliveira; e Pixote, a lei do mais fraco, de Hector Babenco. Os outros dois integram a homenagem que o Festival do Rio presta a Nelson Pereira dos Santos, que morreu em 21 de abril deste ano. Rio 40 graus e Rio Zona Norte, de 1956 e 1957, respectivamente, absorveram lições do neorrealismo italiano, colocaram o povo na tela e viraram marcos definidores do que, a seguir, nos anos 1960, seria o Cinema Novo.
A crise no Rio, que levou até a intervenção militar na antiga capital federal, provocou sobressaltos e a mudança de data do evento. Temia-se até, no pior quadro possível, que o festival terminasse suspenso por falta de recursos. A organização foi se programando e até se limitando à realidade da contenção de despesas. Não é o festival dos sonhos, mas, dentro do que é possível fazer, sua diretora artística, Hilda Santiago, garante que o público nem vai sentir a crise. “Para nós, era uma questão de honra fazer o festival. Nesses anos todos, o Festival do Rio e sua Première Brasil viraram a celebração do país diverso que queremos ser. São a certeza de que nossa cultura tem uma enorme força, que a tudo resiste e sobrevive”, afirma.