Na noite em que venceu eleições livres e democráticas para a Presidência da República Oriental do Uruguai, José “Pepe” Mujica viu uma multidão exultante tomar conta da avenida que margeia o Rio da Prata, em Montevidéu, empunhando bandeiras dos partidos que formam a Frente Ampla, pela qual foi eleito.
Era 2009 e Pepe, ex-guerrilheiro Tupamaro, estava com 74 anos. Encarando o mar de gente, ele tomou o microfone e disse: “Custou-me uma vida inteira entender que o poder reside no coração das massas”.
Capturados pela repressão após uma ousada ação que atingiu (mortalmente) o círculo mais próximo do regime, Pepe, Huidobro e Rosencof se tornaram “reféns” da ditadura. Eram a moeda de troca com a qual os militares mantinham os tupamaros inertes. Um novo atentado, e os “reféns” seriam executados.
TORTURA Em Memorias del calabozo (Memórias do calabouço), Rosencof relata os 12 anos em que foram alvos de distintos métodos de tortura – privados de todo contato ou interação com outros prisioneiros, da luz do sol, de espaço para se mover, de comida suficiente, do acesso a instalações sanitárias. É nesse livro que Brechner baseou seu filme. Como alguém sobrevive 12 anos em condições assim? Eis a interrogação que o diretor faz.
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Mais interessado na força vital do que no aparato repressivo, Brechner não deixa de encenar as torturas e seus efeitos (os atores tiveram de perder 15 quilos cada um durante as filmagens), mas faz questão de jogar luz nos fiapos de sanidade aos quais se agarraram. Escritor, Rosencof (Chino Darín, filho do argentino Ricardo Darín) dita cartas de amor para agentes penitenciários metidos em imbróglios românticos. Esportista, Huidobro (Alfonso Tort) desenvolve um jogo de xadrez mental e um código de comunicação baseado em toques das mãos nas paredes. Estrategista, Mujica (Antonio de la Torre) vê a avalanche de pensamentos em sua cabeça se transformar em alucinação, mas tem delírios com a presença reconfortante e encorajadora da própria mãe.
É na voz dela que Pepe ouve a divisa segundo a qual “só sai derrotado quem entrega os pontos”. Assim como Os invisíveis, Uma noite de 12 anos é uma ode à resistência à barbárie e um elogio ao apego àquilo que há de mais humano em nós.