José Alvarenga foi um dos proprietários do laboratório Líder, em Botafogo, no Rio de Janeiro, local que também servia, informalmente, como uma espécie de sede social do Cinema Novo. Alvarenga não queria que seu filho, Júnior, entrasse para o mundo do cinema. Deveria fazer faculdade – questão resolvida com um curso de jornalismo.
Eremides do Amaral Barbosa era funcionário público e motorista de táxi em São Paulo. Ele almejava para o filho Osmar um futuro seguro e achava que, com um concurso público, Osmar conseguiria estabilidade. Não foi assim que o ator decidiu encaminhar sua vida.
Em 10 segundos para vencer, filme de José Alvarenga Jr. que estreia nesta quinta (27), Osmar Prado vive um pai que também traçou para o filho um futuro não desejado pelo rebento – mas, nesse caso, o plano foi seguido à risca. O ex-pugilista argentino José Aristides “Kid” Jofre desdenhou das ambições do primogênito Éder se tornar desenhista. Ele deveria abraçar o boxe, que garantiria o sustento de toda a família.
O longa de José Alvarenga Jr.
“Para representar o Kid, fiz uma transferência da relação que estabeleci com meu pai ao longo de tantos anos. Eu queria ser artista; ele queria um emprego normal, como o de todo mundo”, afirma Osmar Prado. Pelo papel, Prado levou, em agosto, o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado.
O projeto estava na Globo Filmes há quase uma década. Alvarenga, que até então havia dirigido comédias com o selo Globo (Divã, Os normais 1 e 2) pegou o projeto quase por acidente. “Estava na sala do Edson Pimentel (presidente da Globo Filmes) quando o Rogério Gomes ligou, dizendo que não poderia fazer o filme. O Edson, com o telefone na mão, me perguntou se eu poderia fazer”, relembra Alvarenga.
Quando o diretor assumiu o longa, há dois anos e meio, o roteiro de Thomas Stavros já estava em seu 11º tratamento. “O que uma cinebiografia faz é compressão do tempo. Fizemos, em duas horas, uma história que vai de 1947 a 1973. Mas, desde o início, a intenção foi contar a relação do pai e seu filho.
INFÂNCIA POBRE
Filho mais velho dos três do casal Kid (Prado) e Angelina (Sandra Corveloni), Éder teve uma infância pobre no Peruche. A narrativa acompanha sua infância, juventude e vida adulta, até o início dos anos 1970, após a volta do boxeador da aposentadoria precoce para ganhar o derradeiro título na categoria peso-pena. Chama a atenção a reconstituição histórica que mistura, principalmente nas cenas de luta, imagens documentais.
Quando Alvarenga chegou ao projeto, Daniel de Oliveira já somava 11 meses de treinamento diário de boxe. “Não havia excesso de zelo, pois o ator precisa aprender a apanhar. Todas as lutas (o filme exibe cinco) são com profissionais, então imagina se ele caísse e se machucasse”, diz o diretor.
Não houve, em momento algum, o uso de dublês. “Mas, nas filmagens, Daniel só podia lutar por dois minutos, pois tinha que descansar a musculatura em outros cinco”, conta Alvarenga.
O recurso do chroma key (em que atores atuam em frente a uma tela azul ou verde e, posteriormente, são inseridas imagens) foi utilizado nas cenas dos grandes embates no ringue. Hoje fechado, o ginásio Caio Martins, em Niterói, foi o cenário das lutas.
Alvarenga assistiu a uma série de filmes sobre boxeadores. O diretor destaca Menina de ouro (2004), vencedor de quatro Oscars, como a principal referência. “Baseei-me muito no personagem do Clint Eastwood, pois, assim como o Kid, ele tem ali sua última chance no boxe.”
LÃ E CUSPE
Em agosto de 1960, para lutar com Joe Medel em sua primeira disputa nos EUA, Éder Jofre teve duas semanas para perder três quilos. Para tal, passou dias e noites no auge do verão norte-americano com enormes blusas de lã que o faziam suar o máximo possível. Quase desidratado, pouco comia. Kid, sem se verter ante o desgaste do filho atleta, ainda o colocava para cuspir – em cada cuspida, de acordo com o pai treinador, ele perdia dois gramas.
Foi com essa técnica muito pessoal – que incluía ainda amarrar a mão direita de Éder para que ele utilizasse a esquerda, seu ponto fraco – que ele fez do filho um vencedor. É dessa maneira que o filme apresenta o pai. O filho, sempre um bom menino, só colocou álcool na boca pela primeira vez aos 30 anos, quando já havia se casado com Cida (Kelli Freitas).
“Eu não tinha nenhuma referência do Kid Jofre. Só sabia que ele tinha sido boxer na Argentina e tinha vindo para o Brasil para tocar a academia do irmão, que havia morrido. O interessante foi como o Thomas Stavros (que fez uma série de entrevistas com o próprio Éder Jofre) o transformou em protagonista”, comenta Prado.
Com o personagem, o ator finalmente cumpre sua missão de ser o pai de um lutador.
“GALINHO DE OURO” VENCEU 75 VEZES
Como profissional, Éder Jofre participou de 81 lutas. Em sua carreira, o “Galinho de Ouro” – campeão mundial dos pesos-galos (1960) e dos pesos-penas (1973) – obteve 75 vitórias (50 delas por nocaute), teve quatro empates e sofreu duas derrotas (ambas para o japonês “Fighting” Harada, em resultados que foram contestados).
Éder Jofre lutou em uma época sem internet. Seus combates no exterior no começo de carreira só podiam ser acompanhados pela família e pelos fãs por meio do rádio. Os “filmes” demoravam dias para chegar ao Brasil. Mas suas vitórias se tornaram eternas. Na reunião de assinatura de contrato para a luta contra o mexicano Eloy Sanchez, em 1960, o astro do boxe Sugar Ray Robinson fez questão de conhecer Éder em Los Angeles. Com o título, foi apontado o melhor do ano, à frente de Muhammad Ali.
Aos 82 anos, o ex-pugilista sofre de encefalopatia traumática crônica, doença que afeta a memória e as funções motoras, comum em atletas que sofrem pancadas repetidas na cabeça. José Alvarenga Jr. disse que temeu pela reação de Jofre ao assistir ao filme. Há alguns dias, ele compareceu a uma pré-estreia em São Paulo. “Gostei muito.