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Produções mineiras concorrem ao Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Um ano depois da participação vitoriosa de Arábia na 50ª edição do Festival de Brasília, o cinema mineiro pega a estrada novamente rumo à capital federal. Na bagagem, realizadores de quatro filmes – sendo dois longas e dois curtas selecionados para a mostra competitiva – levam também um olhar crítico sobre a sociedade atual, expresso em seus trabalhos. Além da possibilidade da premiação com o troféu Candango, os diretores aproveitam uma das janelas de exibição mais tradicionais do país para convidar o público a refletir sobre temas urgentes.

Em 2017, Brasília reconheceu o longa de Affonso Uchôa e João Dumans sobre um trabalhador da Vila Operária de Ouro Preto que perambula pelo interior do estado em busca de oportunidades de emprego. Neste ano, André Novais Oliveira apresenta ao festival a história de Juliana (interpretada por Grace Passô), que sai de Itaúna para trabalhar no controle de zoonoses e endemias na periferia de Contagem. Por lá, sua nova rotina de trabalho e convivência com as pessoas que encontra modificam completamente sua visão em Temporada.

Além do percurso pessoal de sua protagonista, o filme mostra aspectos particulares da região, especialmente do Bairro Amazonas. “Temos um olhar estrangeiro da Juliana, no caso, e o bairro vira um personagem também, uma vizinhança que ela descobre através do trabalho e como moradora”, comenta o diretor, que colocou em cena muitos moradores locais, além de atores e atrizes profissionais. A produção é assinada pela Filmes de Plástico, sediada em Contagem. “Nossa ideia é filmar nosso local, mostrar coisas do nosso espaço”, diz Novais.

Selecionado no edital Filme em Minas, da Secretaria de Estado de Cultura, Temporada fez sua estreia no Festival de Locarno (Suíça), em julho.

O outro longa mineiro que concorre ao Candango é Luna, o primeiro filme de ficção de Cris Azzi, diretor do documentário O dia do Galo. Trata-se de uma trama bem cotidiana e contemporânea. A personagem principal é Luana (Eduarda Fernandes), uma jovem no último ano do ensino médio. Em meio às tensões e descobertas inerentes à idade, ela começa uma amizade intensa com Emília (Ana Clara Ligeiro), mas o vazamento de uma foto íntima de Luana estremece a relação entre as duas e traz outras questões para a jovem em seu rito de passagem para a vida adulta.

Azzi afirma que a inspiração inicial para a escrita do roteiro foi o suicídio de uma jovem no interior do Piauí, em 2013, motivado pelo vazamento de um vídeo íntimo. “Talvez por ser canceriano, durante a adolescência eu via todos os problemas como sem solução. Não sei se por isso fiquei muito tocado na época (com o suicídio da garota), mas, até o filme surgir, foi uma longa jornada.” A história amadureceu, segundo ele, durante o processo de seleção de elenco, quando teve a oportunidade de conversar com 15 jovens, que compartilharam aspectos particulares de suas vidas.

DEBATE

“Foi uma experiência incrível. Não era mais pesquisa de elenco, era debater questões que permearam a história.
Dessa conversa surgiu a história que eu iria contar. Essas meninas contaram sobre grandes decepções com o universo masculino, relatos de estupro, abandono, abuso. Isso reverberou em mim, que sou homem, branco, no meu lugar de privilégios, e meu disparo dramático acabou virando uma outra história”, afirma o diretor.

Ambientado em BH e Nova Lima, o filme tem nos papéis principais duas atrizes estreantes, alunas do Cefart (Centro de Formação Artística e Tecnológica) da Fundação Clóvis Salgado. O diretor elogia a participação das duas, observando que “mais que atrizes, queria colaboradoras para discutir e embasar a história. Elas são mulheres pertencentes a essa geração que o filme mostra. Não teria como falar sobre mulheres e mulheres de uma geração 20 anos mais nova que eu se não fosse com muita conversa”.

Sobre a participação em Brasília, Azzi diz que “foi um presente para o filme” e destaca a possibilidade de a temática do filme impulsionar debates e reflexões. “É o festival mais importante para o Brasil. Permite um espaço de debate, discussão.
Tem uma plateia aguerrida, e os realizadores são colocados para responder a questões sobre o filme. É o lugar mais adequado para Luna. Vamos com muita energia para que possa ser discutido além da tela. No momento do Brasil hoje, isso é fundamental. Todos os filmes em Brasília têm esse desejo de debater, retratar questões urgentes e pungentes na nossa sociedade. Para quem quer se expressar por meio da arte, fica difícil não esbarrar nessas questões.”



BH-NY

O curta Plano controle, de Juliana Antunes, também tem como protagonista uma mulher. Marcela (Marcela Santos) fica presa em um elevador do Edifício Maletta e descobre que as operadoras de celular estão oferecendo serviço de teletransporte. Ela deseja ir para Nova York, mas acaba no bairro homônimo à megalópole americana, situado na região de Venda Nova. Marcela se dá conta então de que suas movimentações são possíveis, mas limitadas pela operadora, já que seu plano de pagamento é da categoria “controle”. Sendo assim, ela acaba se teletransportando para vários lugares hostis para uma mulher, como um jogo de futebol ou uma rodovia erma.

“Queria um filme que falasse sobre comunicação e território.
A questão do território esteve no (longa) Baronesa e estará no meu próximo longa, Bate e volta Copacabana”, explica a cineasta, vencedora da Mostra Aurora, em Tiradentes, em 2017. Satisfeita com a seleção de Plano controle pelo Festival de Brasília, Juliana destaca o modelo de programação da mostra. “São dois curtas exibidos antes dos longas competitivos. Então, mostrar um curta para uma sala cheia e um público diverso é uma ótima estreia. Estamos muito felizes.” A diretora trabalhou com uma equipe majoritariamente feminina e diz que o filme teve “baixíssimo orçamento e financiamento pelo edital do BDMG do Palácio das Artes”.

Ainda na mostra competitiva, outro curta produzido em Minas é Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados, documentário gravado em três ocupações urbanas da Grande BH. Dirigido coletivamente por Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo e pelo pernambucano Pedro Maia de Brito, o filme foi feito a partir de imagens gravadas ao longo de quatro anos pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) nas ocupações Paulo Freire e Temer Jamais, no Barreiro, e Manuel Aleixo, em Mário Campos.

Em 2016, o grupo resolveu se debruçar sobre as filmagens e discuti-las sob o ponto de vista estético. Assim nasceu o documentário. “O MLB tem uma comissão de comunicação que fazia registros para editar conteúdo para as próprias comunidades. Isso gerava acervo enorme de material que não era utilizado. Já tínhamos a preocupação em captar imagens que pudessem virar um filme.
Mas o centro do nosso trabalho era construir uma comunicação que ajudasse as comunidades a se estabelecer e denunciar as diversas violações de direitos humanos nos locais. Por exemplo, a que ocorreu na Manuel Aleixo, em que nossa companheira Gabi tomou um tiro no rosto de uma bala de borracha, disparada por um policial a um metro e meio de distância. Fizemos o curta justamente com essas imagens, que a gente usou para fazer a denúncia e arrecadar o dinheiro para o tratamento, que o governo de Minas não pôde custear”, diz Aiano Bemfica, que fala também em nome dos demais diretores do curta.

Segundo Aiano, a ideia de Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados é “mostrar pontos em comum que as ocupações urbanas têm”. “Não pretendemos contar a história de um lugar, mas mostrar o estado de ocupação e possibilitar a imersão nessa luta pela terra”, afirma. Ele diz que “ter esse filme num espaço como o Festival de Brasília mostra que os processos de luta podem ser pontos de partida para mais registros capazes de fazer a discussão no campo da linguagem cinematográfica, não apenas um lugar de denúncia e ponto”.


51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
Confira os competidores da edição 2018, que ocorre de 14/9 a 23/9


Longas-metragens
>> Bixa travesty (SP), documentário de Claudia Priscilla e Kiko Goifman
>> Bloqueio (PE), documentário de Quentin Delaroche e Victória Álvares
>> Ilha (BA), de Ary Rosa e Glenda Nicácio
>> Los silencios (SP/ Colômbia/ França), de Beatriz Seigner
>> Luna (MG), de Cris Azzi
>> New life S.A. (DF), de André Carvalheira
>> A sombra do pai (SP), de Gabriela Amaral Almeida
>> Temporada (MG), de André Novais Oliveira
>> Torre das donzelas (RJ), documentário de Susanna Lira

Curtas-metragens
>> Aulas que matei (DF), de Amanda Devulsky e Pedro B. Garcia
>> Boca de loba (CE), de Bárbara Cabeça
>> Br3 (RJ), de Bruno Ribeiro
>> Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados (PE/MG), documentário de Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo e Pedro Maia de Brito
>> Eu, minha mãe e Wallace (SP/RJ), de Irmãos Carvalho
>> Guaxuma (PE), animação de Nara Normande
>> Kairo (SP), de Fabio Rodrigo
>> Liberdade (SP), documentário de Pedro Nishi e Vinicius Silva
>> Mesmo com tanta agonia (SP), de Alice Andrade Drummond
>> Plano controle (MG), de Juliana Antunes
>> Reforma (PE), de Fábio Leal
>> Sempre verei cores no seu cinza (RJ), documentário de Anabela Roque.