Ney Matogrosso, sobre novo trabalho no cinema: 'A transgressão sempre me interessou'

O artista defende seu personagem no filme Sol alegria, um toureiro que celebra a liberdade

por Ana Clara Brant 02/09/2018 08:00
Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Há décadas, o público está acostumado a ver Ney Matogrosso dando show no palco como cantor. Porém, de um tempo para cá, outra verve do artista, de 77 anos, vem aflorando: a de ator. “Gosto das duas coisas. Sou cantor, vivo de fazer shows, mas gosto muito de cinema também”, comentou Ney, ao responder à pergunta de um menino de 5 anos durante roda de conversa promovida pela Mostra CineBH, na semana passada.

O cantor e ator estava ao lado de um amigo de longa data, o cineasta paraibano Tavinho Teixeira, e da filha dele, a atriz Mariah Teixeira. Vieram à cidade participar de debate sobre o filme Sol alegria. Exibido em vários festivais e com previsão de estreia no circuito comercial em 2019, o longa acompanha uma excêntrica família que viaja pelo Brasil, durante a ditadura militar, com a missão de salvar a humanidade da extinção.

Na trama – com direito a freiras nuas que fumam maconha –, a Terra se tornou um lugar onde é impossível viver. “Escrevi o roteiro em 2014, achava que estava falando de uma superdistopia que aconteceria em 2033. Para minha surpresa, a produção reflete o que estamos vivendo agora, toda essa onda conservadora. O filme se tornou urgente e atual”, afirma Tavinho Teixeira. Sol alegria é o terceiro longa-metragem dirigido por ele.

POETA Ney Matogrosso interpreta um toureiro poeta que, a todo momento, recita versos de Federico Garcia Lorca.
Curiosamente, é o único que não canta em cena – apenas dubla. O que mais o seduziu no projeto foi a liberdade com que se fala de tudo. “E também o tom totalmente anárquico. As pessoas acham que anarquia é bagunça, desordem, mas não é isso. Anarquia é cada um responsável por si e pelo outro. Por isso, estou muito feliz de fazer parte de Sol alegria”, revela.

Ao ser perguntado sobre o que o atrai ao aceitar um convite para filmar, ele foi incisivo: a transgressão. “Isso sempre me interessou e está explícito no meu trabalho. Não sei ser de outra maneira. Portanto, tenho que ser coerente, aceitando, no cinema ou no teatro, papéis coerentes com a minha maneira de pensar. Outro dia, recebi um convite para fazer algo que não me interessou: interpretar um senhorzinho pacífico do interior. Se o filme não for compatível com o que penso da vida, não aceito”, afirma.

Por falar em transgressão, o cantor ressalta a importância de um filme como Sol alegria abrir a CineBH justamente por abordar essa temática. A mostra começou na terça-feira e será encerrada neste domingo.

“A gente tem que firmar a liberdade, a liberdade de opinião, a liberdade de viver como a gente é e quer. Não podemos abrir mão das liberdades que conquistamos, apesar do que venha a acontecer no país e no mundo. Temos que manter dentro de nós este anseio pela vida, pela liberdade, independentemente de qualquer governo. Porque todos os governos passarão. As grandes civilizações aconteceram e passaram. Isso tudo vai passar”, opina.

ESTREIA A carreira de Ney Matogrosso no cinema começou com o filme Sonho de valsa, dirigido por Ana Carolina, lançado em 1987. O fato de ser tão performático e expansivo no palco o ajudou a atuar, mas ele teve dificuldades de entender como funcionava o processo no set de filmagem.

“No cinema, é bem mais contido. Aprendi isso com a Ana Carolina. Na minha primeira cena, botei os ombros para trás e ela comentou: ‘Ney, o que está acontecendo? Parece que você vai voar.’ No palco, sou tão colocado, mas na telona não pode ser desse jeito. Ao longo dos outros trabalhos, fui aprendendo como realmente funcionava”, explica. Em Sonho de valsa, ele fez o papel do irmão da personagem de Xuxa Lopes, com quem mantinha uma relação incestuosa.

“Achava aquilo uma loucura, mas era interessante a ideia estar em um filme. Gosto desta gente: Ana Carolina, Tavinho Teixeira, Helena Ignez. São diretores anárquicos, têm pensamentos muito parecidos com os meus”, observa.

Com Helena Ignez, o cantor fez três filmes: Luz nas trevas: a volta do Bandido da Luz Vermelha, Ralé e O poder dos afetos. Enquanto não surge outro convite para o cinema, Ney Matogrosso prepara sua próxima empreitada musical. A última turnê, Atento aos sinais, chegou ao fim no começo deste ano.

O novo repertório do cantor terá Milton Nascimento, Chico Buarque e Caetano Veloso. “Primeiro vem o show, depois gravo o disco e aí penso no DVD. Estou cantando só o que quero. Não estou preocupado em lançar nada. O repertório segue uma linha, reunindo tudo de que gosto”, conclui Ney Matogrosso.

Dois tempos

2018
Ney Matogrosso (D) em Sol alegria

2010
Ney em Luz nas trevas: A volta do Bandido da Luz Vermelha

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