Porque o amor é a coisa mais triste quando se desfaz, o jornalista alemão Marc Fischer deixou Berlim e foi até o Japão quando se separou. Imaginou que, ao tomar distância da mulher que amara e da cidade que testemunhou o romance dos dois, pararia de machucar seu coração.
Enquanto tentava lidar com o que a ausência dela lhe causava perambulando pelo país asiático que mais reverencia a música brasileira, Fischer ouviu João Gilberto pela primeira vez. Girando na vitrola sem parar, o pai da bossa nova sussurrava uma promessa em forma de canção: “Quem ouvir o oh-ba-lá-lá/ terá feliz o coração/O amor encontrará/ ouvindo esta canção/ Alguém compreenderá seu coração”. Fischer decidiu que precisava ouvir isso de João cara a cara e embarcou para o Brasil.
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Diamantina se mobiliza para oferecer casa e cuidados médicos gratuitos a João GilbertoJoão Gilberto deixa casa no Leblon por conta de dívidas e processosSTJ nega pedido de João GilbertoCom um ouvido privilegiado assim como o do alemão – e que igualmente se deixou seduzir pela música brasileira –, o cineasta franco-suíço Georges Gachot não chegou a conhecer Fischer, mas se encantou por seu livro e o transformou no filme Onde está você, João Gilberto?, que estreia nesta quinta (23) nos cinemas brasileiros (em Belo Horizonte, tem sessões às 14h20 e às 18h50 no Ponteio 4).
Ao refazer os passos de Fischer no Brasil, Gachot constrói um documentário em que a saudade é o ponto de partida e de chegada. O diretor empreende duas buscas (irrealizáveis) numa só – ele quer encontrar João Gilberto e quer, com isso, dar um final diferente à história de Fischer.
Como se trata de um ensaio sobre a ausência, há um tom de melancolia que não sai do filme, não sai, não sai. Mas há também momentos divertidos, como aquele em que Marcos Valle conta como foi seu único diálogo – telefônico – com João Gilberto, e outros tocantes, quando, por exemplo, João Donato remonta aos seus 19 anos e narra como ele e JG criaram a canção que diz “minha saudade é a saudade de você que não quis tirar de mim a saudade de você”. Nessa época, João Donato e João Gilberto eram como “corda e caçamba”. Agora, já levam 15 anos rompidos, por razões que Donato diz não compreender bem. O que imagina é que o afastamento provoque em João o mesmo que nele: saudades.
Como João de fato se sente, nem Gachot nem seu filme nem ninguém parecem conseguir responder. Na conversa ao lado, o diretor fala sobre como é esse negócio de viver assim se perguntando Onde está você, João Gilberto?
Por que decidiu fazer um documentário sobre a busca por dois personagens sabidamente inacessíveis – o irremediavelmente recluso João Gilberto e Marc Fischer, já falecido?
O livro (de Fischer) me tocou muito, porque a história dele é muito parecida com a minha história.
Embora o roteiro tenha sido muito planejado e refazia passos conhecidos e documentados em livro, algo chegou a lhe surpreender durante as filmagens?
A cena em que Marcos Valle assiste ao Fischer eu preparei bem antes. Mas a reação dele a esse momento é bem forte. Também a presença da Watson (a intérprete Rachel Balassiano); ela me falava muitas vezes que fazer o filme foi como uma terapia para ela.
Tenho a impressão de que a “brincadeira verdadeira” aparece também no fato de o documentário assumir o tom de ‘filme de fã detetive’, com a consequência de inspirar no espectador a desconfiança e a suspeita e dar a determinados entrevistados a característica de personagem de fundo falso. É o caso, por exemplo, quando Miúcha diz que a pessoa do outro lado da linha é João Gilberto ou quando Otávio Terceiro negocia com você o encontro com João. O grau de desconfiança que essas cenas inspiram também foi meticulosamente planejado no roteiro?
Marc tinha dúvidas sobre o que o Otávio Terceiro dizia.
Em todo o filme você faz um único comentário sobre a particularidade dos brasileiros, no caso, a impontualidade, dizendo que “o tempo no Brasil nunca é em cima da batida, ou é um pouco antes ou um pouco depois”. E você escolhe fazer esse comentário durante sua visita a Diamantina. Por quê?
Tenho uma teoria de que a particularidade do João Gilberto é a maneira de cantar, que é muito livre, como se ele voasse – melodia, ritmo e harmonia nunca estão juntos. Essa é a magia da maneira do João Gilberto tocar a bossa nova, que ele inventou.
O lançamento do documentário coincide com um momento tão turbulento na vida familiar de João Gilberto que a expressão “tristeza não tem fim” tem sido a mais comumente usada para descrevê-lo. Como lida com esse aspecto?
Miúcha me falou que o filme é bom para ele, para trazer de novo a força da música dele. Acho que o filme é minha resposta para essa situação, que é bem complicada. Espero que um dia ele assista ao filme, que ele goste e entenda. Essa situação confusa ninguém sabe se é verdadeira ou não é.
Os pais de Marc Fischer confiaram a você todas as fotografias e arquivos que o filho produziu no Brasil. Você mostrou o filme a eles antes da estreia?
Sim, quando o filme foi finalizado fui apresentá-lo para os pais de Marc. Pais que perderam um filho querem saber o porquê, se as pessoas tinham uma boa lembrança dele. Os pais estão muito contentes porque a literatura, o livro do Marc, vai reviver mais forte (com o lançamento do filme). Foi difícil essa apresentação para os pais, em dezembro do ano passado. Foram grandes emoções. A mãe comentou depois que talvez ela nunca tenha entendido o que se passou dentro da cabeça de seu filho, por que ele cometeu esse ato de se matar. Dentro do livro tem alguns momentos que sugerem isso. Mas escrever é uma coisa; fazer é outra. Com esse filme, tento dar um presente para o Marc e para o público, que é ouvir o João tocando Oh-ba-la-lá..