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Inspirado em conto de Hilda Hilst, Unicórnio estreia em BH

Quando o diretor e roteirista Eduardo Nunes planejou filmar o longa-metragem Unicórnio, inspirado em contos de Hilda Hilst (1930-2004), a escritora e poeta paulista ainda não estava tão em voga como agora. A autora de A obscena senhora D e de Tu não te moves de ti foi a homenageada da edição 2018 da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), realizada no mês passado, o que impulsionou o relançamento de sua obra, incluindo uma caixa com sua prosa completa, editada pela Companhia das Letras.

Unicórnio estreia nesta quinta (16), e Nunes diz que “foi uma feliz coincidência a produção ser lançada logo agora no Brasil, sem contar que o unicórnio virou uma febre entre crianças e adolescentes. Mas o filme está longe de ser para o público infantil. No entanto, estou muito contente de o longa chegar neste momento de certa ‘fama’ da Hilda, que, para mim, é tão boa como a Clarice Lispector, mas, infelizmente, menos conhecida”.

Este é o segundo longa de Eduardo Nunes, que lançou em 2011 Sudoeste, com o qual recebeu 23 prêmios. Unicórnio marca a estreia no cinema da jovem atriz mineira Bárbara Luz. Filha dos atores Inês Peixoto e Eduardo Moreira, do Grupo Galpão – os dois fazem participação especial no filme –, Bárbara foi criada no universo do teatro. No filme, ela é Maria, uma garota que conversa com o pai (Zécarlos Machado) sentada num banco. O diálogo entre os dois determina o desenvolvimento da narrativa.

O espectador vai descobrindo a rotina na rústica casa de campo em que Maria mora com a mãe (Patrícia Pillar), enquanto as duas aguardam o retorno do pai.
A relação entre a garota e sua mãe sofre uma reviravolta com a chegada de outro homem, um criador de cabras interpretado por Lee Taylor. As duas dão vazão a seus desejos, e o futuro da família pode se tornar trágico.

“Quando o (diretor) Eduardo (Nunes) me contou sobre o roteiro, fiquei muito animada. Maria é uma personagem que tem várias camadas. Ela te permite muitas coisas. Além disso, a história é fascinante”, afirma Bárbara, que hoje está com 16 anos e tinha 14 quando o longa foi filmado. A escolha da intérprete de Maria se deu numa seleção entre 40 concorrentes. O diretor é só elogios para a atriz, nascida em Belo Horizonte, e diz estar seguro de que não poderia ter encontrado uma coprotagonista mais apropriada para o papel.

“O mais interessante é que, em nenhum momento, ela fica fora da personagem.
E esta é praticamente a sua primeira experiência como atriz, já que a Bárbara havia feito apenas uma pequena participação em O menino no espelho (2014). É normal se distrair do personagem, ainda mais quando se está no começo da carreira. Mas ela segura o tempo inteiro. E não é um papel fácil. Maria é melancólica, enigmática, tem aqueles olhares inquisidores”, diz o cineasta.

SERRA

Unicórnio tem fotografia assinada por Mauro Pinheiro Jr. e foi filmado na região serrana do Rio de Janeiro. A natureza, com imagens capturadas das montanhas, da floresta de eucalipto, das flores e da ação do vento, torna-se um personagem de Unicórnio. O diretor afirma que a atmosfera onírica é coerente com o tom de fábula do filme, recheado de elementos como o próprio unicórnio e árvores com frutos venenosos.

“A fotografia buscou isso. Fizemos todo um trabalho na pós-produção. Alteramos a cor da árvore e fizemos um tronco parecer quase como se tivesse sido pintado a mão. Foi bem artesanal.”

Dois contos de Hilda Hilst (Matamoros e O unicórnio) foram livremente adaptados pelo diretor, que também assina o roteiro. “São contos de épocas e livros diferentes, nem conversam entre si”, observa Eduardo. “Mas eu queria levá-los para a tela. Queria mostrar como a literatura da Hilda me atingia. Mas, mesmo assim, qualquer releitura que se faça de sua obra acaba sendo vazia, porque o trabalho dela é denso, profundo”, avalia.     

O longa incorporou alguns aspectos da vida pessoal da escritora, sobretudo relacionados à sua ligação com o pai. “Aquele ambiente em que o personagem do Zécarlos Machado está faz lembrar uma instituição psiquiátrica.
O pai da Hilda Hilst chegou a ser internado, porque era esquizofrênico”, cita o diretor e roteirista.

Como se propõe a um mergulho no universo hilstiano, Unicórnio se distancia de um estilo convencional de cinema. Não há diálogos em aproximadamente 60% do longa, por exemplo. “A literatura dela não é fácil. Não daria para fazer um filme com uma narrativa muito convencional tendo como base o texto dela. Hilda trouxe este lado do sonho, de uma narrativa de múltiplas vozes. Mesmo tendo a literatura como base, é um filme silencioso para que o espectador faça uma imersão dentro da história”, afirma o diretor. Contemplativo e cheio de simbolismos, o longa deixa margem ao espectador para várias interpretações. A história pode ser vista como um sonho, como uma memória de experiências vividas por Maria ou como a imaginação daquilo que ela gostaria de ter vivido. “Cabe ao espectador tirar suas conclusões. Isso  é que é instigante”, diz Eduardo Nunes.

Bárbara Luz está felicíssima com o resultado, assim como esteve com a experiência de filmar o longa, que ela classifica como o período mais feliz de sua vida.
“Foi uma experiência única, e espero que apareçam novos projetos. Pretendo fazer faculdade de arte cênicas e ainda conto com o apoio incondicional dos meus pais, o que é bem bacana. Eles nunca impuseram nada, foi natural. Ser atriz, definitivamente, é o que quero para mim”, afirma.



DEBATE EM BH
Unicórnio estreia nesta quinta-feira (16) no Cine Belas Artes (Rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes), no projeto Sessão Vitrine, que destaca produções nacionais e cobra ingressos com o valor promocional de R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia). Haverá uma sessão diária às 19h10. Amanhã (17), porém, a sessão será às 20h, com a presença da atriz Bárbara Luz. Após a exibição do filme será promovido um debate com o público, com a participação do diretor Eduardo Nunes.

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