Arábia, dos diretores mineiros Affonso Uchôa e João Dumans, é considerado um dos melhores filmes da recente safra do cinema brasileiro. O longa, que aborda as precárias condições de vida do trabalhador, fez uma carreira de destaque em festivais dentro e fora do Brasil, depois de vencer a 50ª edição do Festival de Brasília, em outubro de 2017. Em abril deste ano, ele finalmente chegou ao grande público, tendo estreado em 40 salas (em diversas cidades do país).
O mérito de o longa ter sido exibido não apenas em Belo Horizonte, mas também no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Palmas, Rio Branco e Manaus, entre outras, é das distribuidoras Pique-Bandeira, do Espírito Santo, e da novata Embaúba Filmes, de Belo Horizonte, comandada por Daniel Queiroz. A cadeia cinematográfica se assenta no tripé produção-distribuição-exibição. Cabe aos distribuidores tentar fazer os filmes chegarem ao público, ou seja, ao maior número de salas possível.
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Especial sobre meninos na caverna na Tailândia já tem nome e data de estreia Cine 104 busca apoio para reabrir Festival de Gramado divulga filmes em competição; confira Filme retrata os diversos e polêmicos relacionamentos afetivos de artista expressionistaDocumentário Bergman - 100 anos estreia em BHO proprietário da Embaúba atribui o surgimento recente de diversas distribuidoras de pequeno porte à demanda de mercado desse perfil de filmes e observa que, em muitos casos, a própria produtora dos títulos realiza sua distribuição. “Nosso grande desafio é fazer com que as produções circulem e cheguem ao público. No caso dos filmes com que trabalho, tem ainda a limitação do circuito exibidor. As salas de cinema estão muito voltadas para os blockbusters, para o circuito comercial”, lamenta.
Essa é também a queixa de Francesca Azzi, da Zeta Filmes, com sede na capital mineira. Francesca atua há 20 anos como produtora cultural e há cinco como distribuidora. Para ela, o grande nó da cadeia cinematográfica no Brasil não está na distribuição, mas na exibição.
Especializada na distribuição de títulos estrangeiros, a Zeta quer investir na produção nacional, agenciando longas brasileiros no exterior. “Apesar de todas as dificuldades, é um trabalho muito interessante, diverso e que venho batalhando para que valha a pena. O distribuidor também tem um papel de curador, porque a gente assiste a dezenas de longas e curtas e aí seleciona qual distribuir. Temos uma visão ampla do mercado, do que está acontecendo, das tendências. É bacana.”
Foi por constatar um aumento da produção audiovisual nacional e uma demanda por distribuição no Brasil e no exterior que Ruben Feffer, Flavia Prats e Sabrina Nudeliman criaram em 2005 a Elo Company Distribuição Nacional, em São Paulo.
Ela defende que o grande desafio do setor é a formação de público e os novos modelos de negócio e diz que, apesar dos pesares, esse é um mercado em crescimento. “Espero que com as novas políticas haja oportunidade para novos players. Se a gente for analisar, o cenário atual de distribuição de filmes no cinema é extremamente concentrado. Um único player tem mais de 95% de market share (grau de participação de uma empresa no mercado). É uma situação de monopólio. Mas é uma área que atrai por sua diversidade de assuntos e narrativas”, diz.
Daniel Queiroz também enxergou nas plataformas sob demanda uma grande oportunidade.
MOBILIZAÇÃO SOCIAL Com o objetivo de fazer com que as produções audiovisuais brasileiras extrapolem a tela e catalisem diálogos, debates e ações socioculturais, Carol Misorelli e Lívia Almendary criaram, em 2013, a Taturana. A empresa teve origem no desenvolvimento de uma campanha de mobilização para o documentário Elena, de Petra Costa. “A partir desse trabalho e de outros subsequentes, também de mobilização de público e impacto, percebemos uma lacuna no mercado audiovisual: muitas produções brasileiras com temas sociais relevantes, principalmente documentários, enfrentavam grandes desafios de circulação”, explica Lívia.
Até 2017, a empresa atuou exclusivamente com mobilização e impacto em circuitos não comerciais, além de ter consolidado uma rede de exibidores na plataforma on-line (www.taturanamobi.com.br) – uma interface de organização de exibições coletivas por todo o país. Carol Miroselli acredita que os números do cinema brasileiro são positivos de forma geral, com mais produções, mais salas de cinema e mais público nos últimos anos. Mas, por outro lado, a taxa média de ocupação das salas comerciais se mantém muito baixa, na ordem de 20% (e 12% no caso apenas de filmes brasileiros). “E ainda são poucas as cidades que têm cinema no Brasil – menos de 11%, de acordo com o IBGE. Soma-se ao cenário o fato de grande parte dos filmes nacionais lançados nos cinemas terem um público restrito, ou seja, menos de 10 mil espectadores”, cita.
Segundo ela, o panorama evidencia a sobreposição de dois problemas culturais no Brasil: o gargalo da distribuição de filmes e o público ainda pequeno para documentários, filmes independentes e com temas sociais.
Carol acrescenta que é possível, dentro de uma das linhas de distribuição do Fundo Setorial do Audiovisual, receber R$ 100 mil de investimento para lançar um determinado filme em 10 salas de cinema. Contudo, o público correspondente é baixo na maioria dos casos. “Essa conta resultará num valor alto investido por espectador. Acreditamos que um grande desafio na distribuição hoje é equacionar essa conta: o valor comercial com o valor social de um filme. Mesmo assim, vale a pena continuar. Acreditamos que filmes têm grande potencial de gerar impacto e contribuir para mudanças sociais. Para nós, o mais atrativo dessa função é ver um filme ser amplamente debatido, gerar diálogos e criar redes socialmente engajadas em torno deles”, afirma.
AS GRANDES DO MERCADO
No ranking das empresas que mais distribuíram filmes de 1º de janeiro a 31 de maio deste ano, divulgado pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), as cinco primeiras são grandes distribuidoras: Disney, Downtown/Paris, Fox, Sony e Universal. Juntas – entre produções nacionais e estrangeiras – elas levaram um público de cerca de 67 milhões de pessoas às salas, sendo que o público total desse período foi de 79,9 milhões..