Renee Bennett é uma nova-iorquina que se vê no espelho e não se acha bonita, magra, atraente ou interessante o suficiente. Até que um dia ela leva um tombo e perde a consciência. Quando desperta, se vê como a mulher que sempre quis ser. Embora sua aparência não tenha mudado, Renee se descobre repleta de confiança e carisma, consegue um ótimo emprego, arruma um namorado e até se inscreve em um concurso de biquíni. Mais tarde, ela percebe que está como sempre foi e se dá conta de que a verdadeira autoestima vem de dentro. A história de Renee é ficção e chega aos cinemas nesta quinta (28) em Sexy por acidente, que tem Amy Schumer como protagonista.
Mais do que uma comédia para entreter, o longa leva à reflexão sobre autoconfiança. “Acho muito bacana a gente ter um filme desses, tratando de um assunto tão importante e de uma maneira divertida. O mais importante é que ele é protagonizado por uma atriz mais gorda, o que é tão raro. Lembro-me de que, uma vez, uma repórter me perguntou qual era a minha referência de atriz mais gordinha, e eu não soube responder. Foi aí que percebi a falta de representatividade na TV e no cinema dos artistas que estão acima do peso”, comenta Guilhermina Libânio, intérprete de Úrsula em Malhação - Vidas brasileiras.
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Diferentemente da personagem, que já sofreu muita discriminação e críticas por ser gordinha, Guilhermina conta que nunca passou por nada parecido, pelo menos não explicitamente. “Nunca sofri bullying, mas custo a encontrar roupas do meu tamanho”, pontua. Ela revela que meninas gordinhas têm se aproximado dela. “Vira e mexe me falam como a Úrsula impactou a vida delas, como se sentem melhor, mais confiantes. Independentemente do peso, as pessoas gostam de se sentir acolhidas. Autoestima é uma coisa a ser construída. Infelizmente, nossa sociedade não nos ensina a nos amar. Fazer esse papel é muito importante e revelador. A Úrsula me ajuda a ser uma Guilhermina melhor”, afirma.
No ar em As aventuras de Poliana (SBT/Alterosa) como Nancy, Rafaela Ferreira celebra o fato de as atrizes mais gordinhas ganharem espaço. O peso não é a questão principal da sua personagem – inspirada na doce Nancy, empregada da tia da protagonista do livro de Eleanor H. Porter. “Acho isso muito bacana. Ela é uma pessoa comum, que namora, trabalha, tem a família dela. O peso não é a coisa mais importante da vida dela. Acho importante abordar esse tema, mas é essencial mostrar o outro lado – que a pessoa gorda é uma pessoa normal, com problemas como qualquer um”, enfatiza.
Há nove meses Rafaela criou o Fala Rafa!, canal no YouTube em que comenta sobre diversos assuntos, como aceitação pessoal, bullying e sua vida de atriz. “Ser mais gordinha nunca foi problema para eu conseguir trabalhos e percebo que, apesar de estar longe do ideal, a gente está ganhando força. Temos visto atrizes mais gordas ganharem papéis de destaque, como no próprio filme da Amy Schumer. Tem melhorado não só para quem está fora dos padrões estéticos, mas para negros, orientais”, frisa Rafaela.
SAÚDE X PESO A atriz de 29 anos está também no teatro, ao lado de Helena Ranaldi, no elenco da peça Se existe eu ainda não encontrei, do dramaturgo inglês Nick Payne. Na história, ela é Ana, jovem que sofre bullying por ser gorda e quase chega às últimas consequências. “Essa discriminação aconteceu. Infelizmente, passei por isso na infância e na adolescência. Mas me lembro de quase sempre consegui lidar de uma forma bem positiva. Os meninos da escola viviam me chamando de um personagem do Dragon Ball Z (série de anime japonesa). Um dia, fui para a escola fantasiada desse personagem para mostrar que eu estava bem resolvida com isso. E acabou a zoação”, lembra.
Um dos assuntos debatidos pelo Fala Rafa! é a discussão sobre o fator sobrepeso na saúde. A atriz diz que, por causa de sua profissão, sempre teve uma preocupação com saúde e alimentação. Na opinião dela, é perfeitamente possível uma pessoa estar gordinha e ser saudável. “Isso não pode ser parâmetro de saúde. Tem gente com 50kg que é saudável e gente com 120kg que também é. Temos que abrir a conversa para além da estética. A bandeira que mais levanto é se aceitar do jeito que é e ser feliz”, afirma.
Outra adepta dessa tese é Mariana Xavier, de 38, que ficou conhecida do grande público como a Marcelina da franquia Minha mãe é uma peça. A atriz e apresentadora afirma que é muito equivocado associar a magreza à saúde e a gordura à doença. Mariana, que interpretou recentemente Biga em A força do querer, observa que há outros fatores envolvidos e frisa que saúde mental também é fundamental. “Não adianta ter aquele corpo-padrão se a sua mente está doente. Sempre digo que a balança com a qual a gente deve se preocupar de verdade é a balança do custo/benefício. Tem que ficar de olho naquilo que lhe está fazendo bem ou mal. Acho que é possível e necessário encontrar esse equilíbrio entre saúde e beleza. Tem que se exercitar, sim, mas se amar e se aceitar é importante. É muito mais fácil você conseguir cuidar do seu corpo quando se ama”, opina.
Assim como a colega Rafaela Ferreira, Mariana criou o Mundo gordelícia, canal na internet que abre espaço para debater variados assuntos, inclusive os relacionados à gordofobia. “Não é exclusivo para gordos, até porque, acho que precisamos desconstruir essa ideia de que o gordo é simplesmente gordo e nada mais. O sobrepeso é apenas uma das características da pessoa. O Mundo gordelícia é, antes de tudo, uma forma de eu fazer diferença na vida das pessoas, até porque autoestima e insegurança são questões pontuais na vida de qualquer ser humano”, diz.
DEBATE VAI ÀS SÉRIES
Uma das séries mais aclamadas dos últimos tempos, This is us mostra a personagem Kate (Chrissy Metz) numa eterna luta para perder peso. Na vida real, a atriz também tem uma disputa acirrada com a balança. Girls, sobre um grupo de garotas em seus 20 anos vivendo em Nova York, tornou famosa a criadora e protagonista da produção, Lena Dunham, aplaudida por colocar em evidência corpos femininos distantes do padrão de magreza. Anos depois da estreia, quando Dunham emagreceu, acabou sendo criticada pela atitude. “Como mulher em Hollywood, você simplesmente não vence nunca”, queixou-se a atriz, reafirmando que continua não tendo vergonha de seu corpo e que não deve nada a ninguém.
Três perguntas para Mariana Xavier (atriz e criadora do canal Mundo Gordelícia)
1 - Como você vê a representação das mulheres mais gordas nas artes?
Tem melhorado bastante e temos batalhado e falado mais nesse assunto. Acho que aumentou muito também por conta do público. As pessoas estão cansadas de se sentirem enganadas; cansadas de não se verem representadas e não verem ninguém parecido com elas em filmes, novelas, comerciais. Infelizmente, ainda restringem pessoas mais gordas a papéis secundários como a amiga engraçada e sem autoestima da protagonista. Para mim, a nossa grande vitória vai ser quando o peso não for uma questão e a gente acreditar que uma gorda pode ser uma vilã, uma mocinha. Entendo que a televisão e a mídia lidam com o pensamento de massa, mas seria muito ousado e ainda não há essa ousadia. Mas estamos caminhando.
2 - Você já passou por alguma situação de preconceito ou bullying por estar acima do peso?
Na era da internet, onde todas as pessoas acham que suas opiniões são imprescindíveis para a humanidade, destilam ódio e preconceito indiscriminadamente, eventualmente eu passo por uma situação assim. E te digo: dói. Mas hoje, tenho a consciência de que a ofensa diz muito mais sobre quem a está cometendo do que sobre que está recebendo. Ainda é muito triste ver esse tipo de manifestação. A gente vê que ainda tem muito a evoluir. Mas de pouquinho em pouquinho vamos tentando tornar o mundo melhor e combater essas sementinhas do mal.
3 - Vimos recentemente críticas a artistas que eram mais gordos como o Leandro Hassum e a Lena Dunham por terem emagrecido. O que você tem a dizer sobre isso?
Parece que não importa o que você faça, o quão bom você tenta ser que sempre vai ter alguém te julgando. Se está gordo, reclamam, disfarçando o preconceito e alegando que estão preocupados com a saúde. Se emagrece, fala que os gordinhos estão traindo o movimento, que perdeu a graça. Talento para comédia não se define no peso. Uma vez me disseram para eu não emagrecer porque senão eu iria perder minha essência. E não é nada disso; é justamente o contrário. A essência não está no meu peso, mas em reconhecer o meu valor como ser humano e isso vai continuar comigo independente de ser magra ou gorda. O peso não mede o meu valor. Sou muito mais do que um número na balança.