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'Talvez uma história de amor' derrapa em piadas sem graça e falhas de roteiro

Mateus Solano faz um bom trabalho como o protagonista Virgílio - Foto: Ariela Bueno/Divulgação
Não é de hoje que as comédias românticas apresentam protagonistas cujos conflitos amorosos evoluem para distúrbios psíquicos. O conhecido filão é a base de Talvez uma história de amor, longa de estreia do diretor e produtor Rodrigo Bernardo, que chega nesta quinta-feira (14) aos cinemas. O anti-herói da vez é Virgílio (Mateus Solano), publicitário metódico que, ao chegar em casa após um dia comum de trabalho, ouve uma mensagem de Clara (Thaila Ayala) em sua secretária eletrônica colocando fim à relação dos dois. A questão é que ele nunca ouviu falar da moça.

A situação tira o protagonista de sua rotina pacata e certinha. Quando seus amigos começam a questionar se Virgílio está bem após o término do namoro, ele inicia uma busca para saber quem é Clara e o porquê de sua amnésia seletiva. O personagem procura pessoas para ajudá-lo a recuperar a memória e cada uma delas lhe dá pistas que o aproximam da figura misteriosa de sua ex.

A premissa saiu do livro homônimo escrito pelo francês Martin Page. Lançada em 2009, a história foi publicada em mais de 20 países. “Desde que a li pela primeira vez, fiquei impressionado com a forma criativa com que a história é contada.
Aquele homem perde a mulher que – ele sente – é o grande amor de sua vida, mas não consegue se lembrar de quem ela é”, conta Rodrigo Bernardo, que utiliza a mesma pegada romântica na série (Des)Encontros, exibida pelo Canal Sony.

Ele garante que quem já leu o livro poderá se surpreender com o desfecho de sua versão para as telonas. “A história original tem uma jornada introspectiva muito boa, mas no cinema chega uma hora em que você quer ver as coisas realmente acontecendo. Por isso, a adaptação acabou seguindo caminhos diferentes do livro em sua metade até o fim”, observa. As alterações não deram problemas com o autor francês. “Quando disse ao Martin que faria as alterações, ele foi muito generoso e me disse: ‘O livro é a minha arte, o filme é a sua’”, lembra o diretor.

SISTEMÁTICO A adaptação brasileira trouxe a ação parisiense para São Paulo, mas manteve o foco nas idiossincrasias do personagem principal. Uma clara preocupação do diretor foi desenvolver a personalidade de Virgílio de forma sólida. O protagonista vive em um apartamento moderno, mas que abriga mobília obsoleta – com direito a geladeira em estilo vintage, rádiorrelógio e TV de tubo, além do telefone fixo equipado com uma secretária eletrônica que dá o pontapé inicial à trama.
Em seu ambiente de trabalho, ele surge em meio a canetas, lápis e post-its que primam pela organização.

O longa tem a seu favor a boa construção deste personagem central, muito bem defendido por Mateus Solano. Por comodidade, Virgílio chega a recusar promoção na empresa em que trabalha. É regrado, totalmente avesso às mudanças, e as razões que lhe fizeram assim ficam claras no decorrer da narrativa.

Já os coadjuvantes servem unicamente de escada para que o espectador conheça a fundo a figura principal. Na busca por Clara, Virgílio contará com a ajuda de sua terapeuta (Totia Meirelles), do colega de trabalho Otávio (Marco Luque) e da vizinha Katy (Bianca Comparato) – esta, descomplicada e desorganizada, funciona como um ótimo contraponto ao protagonista.

Todo o restante do bom elenco, entretanto, é quase inteiramente desperdiçado em passagens fugazes. Nathália Dill entra e sai do filme em apenas uma cena como Fernanda, ex-namorada de Virgílio que fora traída quando ele conheceu Clara. Também com pouquíssimo tempo de tela, Paulo Vilhena tem mais sorte como João, irmão de Clara e autor de livros infantis, personagem que permite breves nuances. Incomoda, em especial, ver talentos como Dani Calabresa, Gero Camilo, Ana Rosa e Elisa Lucinda relegados a figurações de luxo.

TRAGICOMÉDIA
O roteiro se perde, ainda, em passagens com pretensões cômicas que dificilmente farão rir. Traumas pós-términos costumam render boas histórias dramáticas, como o aclamado Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004), ambientado em uma realidade em que é possível apagar totalmente da memória as lembranças de um ex-parceiro.
Por vezes, o espectador também poderá se remeter ao ótimo Entre abelhas (2015), em que o protagonista interpretado por Fábio Porchat, após o divórcio, deixa de enxergar as pessoas gradativamente.

Talvez uma história de amor flerta com o tom tragicômico de Brilho eterno... e Entre abelhas, mas é vendido como uma típica comédia romântica, repleta de referências ao gênero – como o momento em que Virgílio assiste ao filme Sintonia de amor (1993), com Tom Hanks e Meg Ryan. Mas são raras as sequências realmente divertidas, como aquela em que o protagonista se vê às voltas com o cachorro de Katy e precisa lidar com as esquisitices do animal. O cãozinho só se acalma ao ouvir, na vitrola, a música New York, New York, de Frank Sinatra. Há, então, um diálogo direto com a segunda metade do filme, que tem cenas feitas na metrópole entoada pela canção.

Belas localidades, como o Museu Solomon R. Guggenheim e o observatório Top of the Rock, instalado no alto do Rockefeller Center, são cenários para o desfecho da história. Nesta reta final, uma grata surpresa é a participação – rápida, porém divertida e marcante – da atriz norte-americana Cynthia Nixon, reconhecida por sua atuação na série Sex and the city.

“Estava em busca de um grande desafio, uma grande barreira a ser vencida pelo personagem que vive seu cotidiano sem qualquer mudança e nunca viaja. Fora isso, Nova York tem todo o histórico de comédias românticas – daí a referência que fizemos ao clássico Sintonia de amor (que tem sequência final rodada no Empire State Building). Mesmo quem nunca foi à cidade guarda uma memória afetiva de alguns locais de tanto vê-los nessas histórias”, afirma Rodrigo Bernardo.

 

Assista ao trailer de Talvez uma história de amor:

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