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''Primavera em Casablanca'' retrata a vida de personagens a partir do efeito de mudanças no Marrocos

O Marrocos tem atualmente 30 salas de cinema. É um número ínfimo, ainda mais se levarmos em consideração que o país no Norte da África tem 35 milhões de habitantes. “Só que 40% desta população não sabe ler nem escrever. Isso mostra como o cinema é importante no país”, afirma o cineasta franco-marroquino Nabil Ayouch.

No Brasil para participar do Festival Varilux de Cinema Francês, ele está lançando Primavera em Casablanca, coprodução franco-belga-marroquina. O filme tem várias sessões em BH até a próxima quarta-feira (20). A história – coescrita com a atriz Maryam Touzani – mostra uma série de personagens na maior cidade do país – local que Ayouch, nascido em Paris, radicou-se há 20 anos.

A narrativa intercala dois tempos. Em 1982, acompanhamos o professor berbere Abdallah (Amine Ennaji), que dá aulas para crianças numa pequena vila montanhosa. Com a reforma educacional que aboliu a filosofia e a sociologia (trocadas pela educação islâmica) e impôs o árabe como língua nacional, ele se vê impossibilitado de lecionar.

Já em 2015, outros personagens acabam se cruzando nas ruas de Casablanca – ao final, todas as narrativas vão colidir.
Tem a mulher que sofre com o conservadorismo atual (e isso se reflete também na relação com o marido machista); o jovem gay que sonha ser um novo Freddie Mercury e é rechaçado pelo pai; a adolescente de classe alta que não encontra seu lugar no mundo; o homem judeu que tenta viver como lhe convém, a despeito dos conflitos étnico-religiosos.

Para Ayouch, Primavera em Casablanca é basicamente um filme sobre como uma geração mudou por causa da educação. “Nos anos 1980, havia muito mais liberdade no país.” A onda de conservadorismo que tomou o Marrocos nesta década foi o ponto de partida do filme.

O longa anterior de Ayouch, Muito amadas (2015), sobre um grupo de prostitutas marroquinas, foi banido do país. “E não foi apenas proibido. Houve uma campanha muito grande contra nós. Isso acabou me levando a questionar meu lugar no Marrocos e de onde esta onda de ódio poderia vir. Por isso, quis fazer um filme sobre pessoas que lutam contra opressão, seja ela religiosa, social ou familiar.”

A atriz e roteirista Maryam Touzani, que interpreta Salima, mulher de classe média-alta que questiona seu lugar num mundo patriarcal, utilizou muito da experiência pessoal para compor a personagem. “A mulher não pode se comportar no espaço público como em sua casa.
Para se vestir, você tem que pensar se a saia está curta demais, se o decote está grande. Mas não é só uma questão da roupa. Querem impor uma ideologia para as mulheres, restringir seu espaço, fingir que você não existe. Vejo muitas mulheres da minha idade que desistem, pois é difícil resistir. Muitas que querem andar na rua e não querem ser insultadas ou tocadas decidem se cobrir para evitar isso.” Maryam, assim como sua personagem no filme, escolheu o caminho da resistência. “Soa estranho falar disso quando se está no Brasil. Mas essa é a nossa realidade hoje.”

A despeito da perseguição sofrida com Muito amadas, Primavera em Casablanca conseguiu ser exibido no Marrocos – foi proibido no Egito por causa do personagem judeu. “Fazer filmes no Marrocos é relativamente fácil.
Quando se fazem filmes leves, você consegue apoio do Estado. Se não (como foi no caso dele), tem que encontrar dinheiro na Europa”, comenta Ayouch.

Mesmo com o avanço do conservadorismo e as dificuldades enfrentadas nos últimos anos, o cineasta não pensa em deixar o país. “Não entendo uma série de atitudes, mas amo o povo marroquino. São pessoas generosas, muito parecidas com os brasileiros. E acho que quando você pertence a um lugar, tem que ficar e lutar”, finaliza.

PRIMAVERA EM CASABLANCA
Sessões hoje, às 15h, e terça (19), às 16h30, no Belas Artes; hoje, às 18h45, no Pátio; quarta (20), às 14h30, no Ponteio


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