Em Beijo na boca, o ator dá vida a um personagem que leva seu nome. Morador da Cinelândia, no Centro do Rio, Mário é um boêmio inveterado que mantém relações com travestis, traficantes e outras figuras marginais da noite carioca. Ele se apaixona por Celeste (Cláudia Ohana), que vive na zona sul da cidade com o pai militar (Milton Moraes) e a mãe dona de casa (Joana Fomm). Contrariando a família, a jovem engata um romance com o rapaz, que logo se mostra agressivo e ciumento. Juntos, eles traçam um plano diabólico: eliminar todos os ex-namorados da moça.
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“Criei o personagem a partir do que via, em reportagens da época, do comportamento e da figura física do Wanderley. Percebi nele um olhar sempre fixo e um jeito paranoico”, conta Mário. Para o ator, a personagem Celeste foge ao arquétipo de femme fatale, tão recorrente no cinema nacional da época. “Na relação amorosa, quem é mais flexível acaba compactuando com as imposições daquele que é mais incisivo.
As inspirações deram problemas ao diretor do filme, Paulo Sérgio de Almeida. Preso, Wanderley conseguiu uma liminar que impedia a exibição do filme, poucas semanas após seu lançamento. A alegação era de que a produção depunha contra sua imagem e poderia afetar seu destino na Justiça. Naquele mesmo ano de 1982, Wanderley conseguiria liberdade condicional.
“Beijo na boca teve carreira muito curta. Quando começou o melhor tipo de propaganda para um filme – que é a natural, boca a boca – e estávamos com bilheteria em ascensão, ele foi retirado de cartaz. Isso, inclusive, pode ter prejudicado a carreira do Paulo Sérgio como diretor”, supõe Mário Gomes. Após o episódio, o cineasta abandonou o cinema adulto e alcançou sucesso de público à frente de produções infantojuvenis, como Sonho de verão (1990), e filmes protagonizados por Xuxa no início dos anos 2000. Ele voltaria a dirigir dramas em 2007, com Inesquecível.
TELONAS Beijo na boca é um thriller que mistura sexo e violência – receita de sucesso no cinema nacional em sua época, ainda sob vigília da ditadura militar.
O ator atribui ao mercado cinematográfico inconstante o fato de ter tido poucas experiências na sétima arte. Se nas telinhas ele coleciona dezenas de trabalhos, nas telonas foram apenas sete. Em 1977, por atuar em um dos papéis centrais de Duas vidas, novela das oito da Rede Globo, Mário recusou o convite para o longa A dama do lotação (1978), com Sônia Braga, que foi grande sucesso no fim da década de 1970. Para o papel que seria seu, ele sugeriu o amigo Nuno Leal Maia.
A chance de trabalhar com o belo-horizontino Neville d’Almeida, diretor de A dama do lotação, viria pouco tempo depois, quando aceitou o convite do cineasta para integrar o elenco de Os sete gatinhos (1980). O gênio difícil, admite o ator, dificultou suas relações com os profissionais de cinema. Mário e Neville se davam bem longe das gravações, mas se desentenderam nos sets de filmagens, o que resultou na saída do primeiro da produção.
TELINHAS Na TV, as dificuldades não eram menores, mas Mário Gomes fala com orgulho de seu trabalho nas novelas Jogo da vida (1981), Guerra dos sexos (1983) e Vereda tropical (1984), todas exibidas no horário das 19h da Globo, em que consolidou sua imagem de galã de comédias românticas. Segundo o ator, tais produções revolucionaram a linguagem televisiva, com uma qualidade de humor que nunca se repetiu. “Não gosto de fazer mais do mesmo e o povo quer que você faça aquilo que você sempre fez. Quando terminei Vereda tropical, entendi que aquele ciclo havia se encerrado e eu deveria seguir outros caminhos.”
Mário também não se furta em falar do seu afastamento da emissora, motivado por perseguições pessoais e desafetos na diretoria. “Quando voltei (na década de 1990), já não tinha a mesma intuição de antes. Fui tão massacrado emocionalmente que havia perdido muito, no sentido físico e também na minha sensibilidade”, revela.
Apesar da pequena participação na recente Tempo de amar, finalizada em março, o veterano afirma que não está nos seus planos voltar às novelas. “Por mais que a Globo permita, não me vejo voltando. Na ocasião, disse que era meu sonho estar ali – não me arrependo, mas não precisava falar aquilo. Esse meu retorno foi uma coisa muito isolada. Foi um convite do (diretor) Jayme Monjardim, que não tem uma relação tão submissa, nem se preocupa tanto com as orientações da empresa”, diz.
“É bom que eu apareça, assim não fica mal para a imagem da Globo. O público pergunta ‘cadê o Mário Gomes?’ e, quando me colocam no ar, eles pensam: ‘a Globo é boa gente’”, brinca o ator.
NOVAS TELAS No ano passado, Mário Gomes surpreendeu ao ser clicado vendendo sanduíches em uma praia do Rio de Janeiro. O negócio, estável e lucrativo, não o impede de tocar projetos na área artística. Longe da TV, do cinema e do teatro, o ator de 65 anos está aberto às novas plataformas. Em breve, pretende estrear no YouTube com o canal Só os Gomes. Nos vídeos, ele aparecerá ao lado dos filhos, que herdaram sua veia artística: Linda, de 25 anos, João, de 12, e Catarina, de 9. Todos dirigidos por Talita, de 22, que é formada em cinema.
O conteúdo será musical, com esquetes de aproximadamente três minutos. A produção, caseira e despretensiosa, vai recorrer a elementos do hip-hop para abordar as tragicomédias do dia a dia. “Serão crônicas da vida brasileira. Sátiras de um país em que ordem e progresso estão só na bandeira.”
CURTA-CIRCUITO
Exibição de Beijo na boca (1982), de Paulo Sérgio Almeida, seguida de bate-papo com o ator Mário Gomes e a crítica Eliska Altmann. Hoje, às 20h, no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3226-9625). Entrada franca, com retirada de ingressos a partir das 19h30.