Rio de Janeiro – Quando o filme Propriedade privada (2006), de Joachim Lafosse, foi lançado no Festival de Veneza, os irmãos Renier estavam em estágios diferentes da carreira. O mais velho, Yannick, ainda não tinha feito nada muito relevante. O mais novo, Jérémie, já era uma promessa do cinema belga. As diferenças físicas – Yannick é moreno, Jérémie loiro – e de idade – seis anos os separam – não os impediram de interpretar gêmeos, filhos da personagem de Isabelle Huppert, no drama familiar.
Doze anos mais tarde, é Yannick – que veio com Jérémie ao Brasil participar do Festival Varilux de Cinema Francês – quem se recorda de um acontecimento que os levou a pensar na produção de um filme. Carnívoras, que marca a estreia na direção dos irmãos Renier, é um dos 21 longas-metragens do evento, que vai até 20 deste mês em várias cidades do país.
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Foi pensando nesse abismo – e até onde ele pode levar os envolvidos – que os dois começaram a trabalhar, há sete anos, em um roteiro conjunto. Carnívoras acompanha as irmãs atrizes Mona (Leïla Bekhti) e Samia Barni (Zita Hanrot). Mona, a mais velha, tem uma formação teatral, mas é Sam quem virou a sensação do cinema francês. Sem conseguir se sustentar, Mona vai viver com Sam, o marido e o filho. Rapidamente, se torna assistente da irmã quando ela começa um filme de um importante (e intenso) diretor. Frágil, a mais nova começa a sofrer com a produção, enquanto a mais velha tenta controlar a crise da irmã.
É sobre controle e, principalmente, a falta dele que trata o filme. Carnívoras tem início como um drama familiar e descamba, na metade final, para o thriller.
Também em cartaz no Varilux, O amante duplo deve estrear no circuito comercial em 21 deste mês. É um thriller erótico centrado na personagem Chloé (Marine Vacth, a personagem-título de Jovem e bela, que Ozon lançou em 2013). Bastante perdida, a jovem procura um psicanalista. Paul é compreensivo, tranquilo e logo vê o tratamento surtir efeito.
Já estabilizada, Chloé assume estar apaixonada pelo psicanalista. A recíproca é verdadeira e Paul “despede” a paciente para poder viver com ela. Tudo vai bem até a jovem descobrir Louis. Gêmeo de Paul, ele é também um psicanalista.
GÊNEROS
“Carnívoras é um projeto de sete anos. O amante duplo tem dois. E eu nunca falei sobre ele com o François (Ozon). Foi engraçado quando ele me propôs esse filme, ainda mais as relações que fui traçando entre os dois projetos, o fato de eu trabalhar com meu irmão”, comenta Jérémie.
“Como a gente passou bastante tempo escrevendo o roteiro, houve uma colaboração grande, sem conflitos de ego. Entendemos que nossas diferenças de experiência e de sensibilidade seriam a riqueza do trabalho”, completa Yannick referindo-se a Carnívoras.
Ainda que os dois filmes explorem as relações de poder na relação de irmãos com a mesma profissão, os resultados são distintos. O amante duplo mantém uma das marcas da filmografia de Ozon – desconcertar o espectador. A cena de abertura traz Chloé na ginecologista. A consulta médica termina com um plano fechado de sua vagina.
Ao mesmo tempo em que explora o subconsciente de uma jovem fragilizada, o diretor brinca com o duplo dos personagens masculinos. Paul é luz, Louis é escuridão. “Precisei achar diferenças físicas entre eles que não fossem caricaturais.
Esteticamente, Ozon explora esta dualidade, brincando sempre com o preto e o branco e com outros duplos em cena – há dois gatos com participação de peso no desenrolar da narrativa. Uma referência forte – e bastante reconhecível – é da obra de Alfred Hitchcock. Escadas em espiral, que aparecem em destaque mais de uma vez, são puro Um corpo que cai.
Já Carnívoras pretende mais “brincar” de gênero, indo do drama até quase o horror. “Desde o início do projeto, nossa vontade era brincar com os códigos do cinema tradicional e passar um gênero para outro. Embora a narração da história seja linear, com um acontecimento levando a outro de forma lógica, queríamos que o espectador estivesse num palanque instável”, afirma Yannick.
Para Jérémie, as duas personagens de Carnívoras trazem muito dele e de Yannick. “A gente até cogitou que elas tivessem outra profissão. Só que atuar era a única profissão artística que permitia ter a frustração que queríamos. Se você é um pintor, um pianista, estudar muito é uma maneira de alcançar o sucesso. Só que alguém que nunca interpretou pode se tornar um ator. E há ainda uma forma de injustiça mais forte, infelizmente. Quando se trata de duas mulheres, há a questão do físico, que pode desequilibrar esta equação.”
Jérémie é um dos atores preferidos dos irmãos Dardenne. Estreou no cinema em 1996, com A promessa, e, desde então, fez outros quatro filmes dirigidos por Jean-Pierre e Luc Dardenne – em A criança, O silêncio de Lorna, O garoto da bicicleta e A garota desconhecida.
Jérémie se divide hoje entre a Espanha e a França, Yannick continua na Bélgica. “Fazer Carnívoras nos permitiu uma catarse, pois sempre há coisas não ditas entre irmãos”, comenta Jérémie. Yannick concorda: “Fizemos um filme juntos, então não precisamos de terapia”.
* A repórter viajou a convite da organização do evento
FESTIVAL VARILUX DE CINEMA FRANCÊS
Em BH, o evento vai até dia 20 com sessões diárias nos
cines Belas Artes, Pátio e Ponteio. Programação: www.variluxcine mafrances.com/2018
» O AMANTE DUPLO
De François Ozon, com Marine Vacth, Jérémie Renier e Jacqueline Bisset Sessões segunda (11), às 16h45, e sábado (16), às 20h30, no Belas Artes; terça (12), às 15h, e sexta (15), às 21h15, no Ponteio; quinta (14), às 18h45, no Pátio
» CARNÍVORAS
De Jérémie e Yannick Renier, com Leila Bekhti e Zita HanrotSessões sexta (15), às 14h50, e segunda (18),
às 21h20, no Belas Artes; quinta (14), às 16h40, e quarta (20), às 18h40, o Ponteio
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