Em abril, a atriz Maria Gladys recebeu um telefonema e levou um susto. Era Raquel Hallak, produtora e coordenadora de três festivais de cinema, convidando-a para ser a homenageada da 13ª edição da Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), que começa na quarta-feira (13) e terá a noite de abertura na quinta (14). “Achei que ela estava me ligando para oferecer algum trabalho, sei lá. Mas quando ela disse o que era, nem acreditei. Fiquei muito feliz, ainda mais sendo homenagem de um festival em Minas. Minha vida inteira fui cercada pelos mineiros”, festeja Gladys.
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Carioca, há cinco anos ela escolheu como refúgio a zona rural da bucólica Santa Rita do Jacutinga, na Zona da Mata. Glayson, seu primogênito, mudou-se para lá por causa da namorada. Mesmo com o término do relacionamento, ele acabou ficando. Está há 17 anos na cidadezinha. “Ele fica na cidade e eu moro em um vale com os meus cinco cachorros. É um paraíso, mas é bem diferente da vida em Copacabana, no asfalto selvagem onde eu vivia. A gente escuta até o silêncio. Vivo cercada pelas montanhas de Minas, uma experiência única, como o Neville costuma dizer”, ressalta, referindo-se ao cineasta belo-horizontino e parceiro em Rio Babilônia (1982) e Matou a família e foi ao cinema (1991).
Neville, inclusive, vai participar ao de Gladys de uma roda de conversa durante a CineOP. “Tenho um orgulho grande da minha carreira. Trabalhei com os principais nomes do cinema brasileiro.” Além de Neville, ela participou de filmes de Júlio Bressane, O anjo nasceu (1979) e Cuidado madame (1970); de Rogério Sganzerla, Sem essa, aranha (1970) – “o filme que mais me marcou” –; de Paulo César Saraceni, Anchieta, José do Brasil (1977); e de Ruy Guerra, Os fuzis (1964). Esse último, marco do Cinema Novo e premiado em Berlim.
“É muita gente. E ainda participei da dublagem de Deus e o Diabo na terra do sol, do meu querido Glauber Rocha. O Tárik de Souza (jornalista e crítico) escreveu que fui ícone do Cinema Novo e do cinema marginal. Isso é muito gratificante”, comemora.
No dia da abertura, os convidados que forem ao Cine Vila Rica terão a oportunidade de conferir uma preciosidade: o documentário Maria Gladys, uma atriz brasileira (1980), dirigido e roteirizado por Norma Bengell. A coordenadora da mostra Raquel Hallak destaca a importância da exibição do curta de 10 minutos. “Foi feito em 35mm e só tinha uma cópia em acervo. Digitalizamos especialmente para a mostra. Isso vem ao encontro a toda a luta da CineOP, que nesses anos todos trata o cinema como patrimônio e tem a preocupação de preservar acervos e a nossa história”, pontua.
Mesmo formalmente aposentada, Maria Gladys não pensa em parar. “Este ano, fiquei mais parada, mas nos projetos anteriores, como o Pé na cova, na Globo, que fiz com o Miguel (Falabella), meu grande amigo, pegava o ônibus e em duas horas estava no Rio”, conta. Logo depois do festival em Ouro Preto, vai gravar uma série de comédia para o Now (serviço de vídeo on demand).
A atriz se recorda de um momento marcante na televisão, a novela Vale tudo, que será reprisada a partir de 18 deste mês, na qual interpreta a doméstica Lucimar. “Ela foi inesquecível. Um presente que o Aguinaldo Silva me deu. Apesar de a novela ser dele e do Gilberto Braga, a Lucimar era escrita pelo Aguinaldo”, comenta.
Ela começa a falar de seu “último trabalho”. Mas logo se corrige. “O trabalho mais recente’’, diz. ‘‘Aprendi isso com o saudoso João Ubaldo Ribeiro, pois último trabalho fica parecendo que não vamos fazer mais nada”. O filme em questão é Quebranto (2017), longa-metragem do diretor mineiro José Sette, que terá pré-estreia na CineOP. “Se puder, vou trabalhar até morrer. A coisa que mais gosto no mundo é ser atriz. Minha filha, Maria Thereza, atua e minha neta, Mia Goth, foi pelo mesmo caminho. Ela é modelo, atriz e fez filme do Lars von Trier, Ninfomaníaca: Volume 2. É muito bom saber que a gente fez a escolha certa.”
• Destaques da CineOP
» 13/6
18h – Centro de Convenções
• Exposição sobre preservação, história e educação em imagens
» 14/6
20h30 – Cine Vila Rica
• Abertura: Homenagem a Maria Gladys e exibição dos filmes Maria Gladys, uma atriz brasileira e Sem essa, aranha.
» 15/6
20h – Cine Vila Rica
Exibição do documentário Tempo congelado, de Bill Morrison
» 16/6
16h – Centro de Convenções
• Roda de conversa com Tom Zé
22h – Sesc Cine-Lounge Show
• Show Noite Tropicália 3, com Tom Zé e banda e DJ Braz Micthell
» 17/6
19h – Cine-Praça
• Exibição de Fevereiros, filme de Márcio Debellian
Shows e debates completam a programação
Há 13 edições a CineOP é um evento especial no calendário de festivais e mostras de cinema no Brasil. Mais uma vez, reafirma o propósito de discutir a produção audiovisual do país, com ênfase nas relações históricas dessa linguagem e, especialmente, a preservação. “É uma iniciativa pioneira, pois agrega valor de patrimônio à sétima arte”, afirma a coordenadora Raquel Hallak.
Com programação gratuita, o festival se concentra em três focos: preservação, história e educação. Serão exibidos 134 filmes. O Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros e o Encontro da Educação, promovem debates entre profissionais dessas áreas. Raquel ressalta que, entre os convidados, está o artista norte-americano Bill Morrison, que vai exibir o longa Dawson City – Tempo congelado (2016). O documentário apresenta a bizarra história de uma coleção de 533 filmes dos anos 1910 e 1920 que ficaram perdidos por 50 anos. Foram descobertos enterrados em uma piscina.
A temática histórica tem o tema “Vanguarda tropical: cinema e outras artes”, com foco no diálogo entre as diferentes linguagens artísticas na época em que a efervescência da Tropicália era ofuscada pelo endurecimento do regime militar com o Ato Institucional N° 5 (AI-5), em 1968.
A programação artística terá show e roda de conversa com Tom Zé, apresentação do grupo mineiro Cabezas Flutuantes com participação da cantora pernambucana Karina Buhr, e show do músico paraense Felipe Cordeiro.
CINEOP – MOSTRA DE CINEMA DE OURO PRETO
De 13 a 18 de junho, em Ouro Preto. Programação gratuita. Informações: cineop.com.br.