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A uma semana do início da Copa do Mundo da Rússia, duas tramas caras àquele país – uma ficcional, outra real – ganham novas versões no cinema. Estreia nesta quinta-feira (7) Anna Karenina – A história de Vronsky, de Karen Shakhnazarov, épico de 2017 produzido pela Mosfilm, gigante da produção audiovisual daquele país (é o estúdio mais antigo da Europa). Também hoje será lançado o longa britânico A morte de Stalin, comédia satírica que acompanha os dias que sucederam o fim do sanguinário ditador, em 1953. saiba mais
Foram pelo menos cinco versões na era do cinema mundo. Uma delas trazia Greta Garbo, que voltaria ao papel em 1935 – o Anna Karenina dirigido por Clarence Brown ainda hoje é uma das adaptações mais importantes da história. Ao longo das décadas, a trágica personagem teve como intérpretes Vivien Leigh (1948), Jacqueline Bisset (1985), Sophie Marceau (1997) e Keira Knightley (2012).
“Podem passar 100, 150 anos e ela vai continuar a ganhar novas versões. Ninguém escreveu verdadeiramente uma história de amor como Tolstói”, afirma Karen Shakhnazarov, que está no Brasil para o lançamento do filme. O Anna Karenina do diretor russo une dois livros: o romance original e Notas de um médico sobre a guerra russo-japonesa, de Vikenty Veresaev (1867-1945).
Na magistral sequência inicial, quase sem cortes, acompanhamos o início da trama. Em 1904, durante a Guerra Russo-Japonesa, o médico Sergei Karenin (Kirill Grebenshchikov) cuida dos soldados russos num vilarejo da Manchúria. Um superior pede que ele trate de um oficial ferido recém-chegado. Logo descobre que o homem é Vrosnky (Max Matveev), o amante de sua mãe. O médico lhe pede que fale de Anna (Elizaveta Boyarskaya), pois quer entender o que se passou com ela, que se jogou numa linha de trem 30 anos antes.
Em flashbacks, Vrosnky faz o seu relato. Em certos momentos, a riqueza do cinema de Karen Shakhnazarov, sempre com extensos planos-sequência, remonta à época áurea do cinema. O primeiro baile de Vrosnky e Anna reúne dezenas de figurantes. “Os atores ensaiaram esta cena durante meses. Eu não queria atores que sabem balé, mas pessoas comuns que aprenderam danças antigas. O trabalho físico foi muito grande”, explica o diretor. O épico chegou a contar com quase dois mil figurantes.
MOSFILM - Karen Shakhnazarov está completando 20 anos como diretor-geral do Mosfilm, responsável pela maior parte da produção cinematográfica de seu país. Criado em 1923, o estúdio produziu quase três mil obras. Fazem parte do acervo filmes de Sergei Eisenstein e Andrei Tarkovsky, para falar dos mais célebres diretores russos.
“Todos os filmes que Tarkovsky fez para o Mosfilm estão restaurados. Agora, a quantidade de filmes restaurados é pequena diante da dimensão da obra que temos. São quatro, cinco filmes por ano, pois é um processo caro, demorado e não comercial”, afirma.
O Mosfilm ocupa um quarteirão da região central de Moscou. Depois de um período difícil na década de 1990, renasceu neste século. “Pensava antes só como cineasta. Depois vi que precisava pensar no produto final. Hoje, temos várias formas de trabalhar. Seja com projetos nossos, coproduções, projetos sob demanda. O sistema é multifuncional”, acrescenta ele, que contabiliza entre 60 e 100 produções anuais (entre filmes, programas de TV, minisséries etc).
Hollywood russa? Nem tanto, diz Karen Shakhnazarov. “Hollywood tem pelo menos cinco estúdios como o Mosfilm. Acho um pouco exagerado”, avisa.
As entranhas da ditadura - Líder supremo da União Soviética entre 1924 e 1953, Josef Stalin (1878-1953) conduziu o país para a urbanização e a industrialização. Sob seu comando, o Exército Vermelho tomou Berlim em 1945. Mas esse legado vai muito além. Números conservadores dão conta de que o regime stalinista foi responsável por 10 milhões de mortos – vítimas de execuções, deportações e dos campos de trabalho (os gulags). Milhões de pessoas sucumbiram à fome.
A morte do ditador foi tão caótica quanto sua vida. É o que apresenta em tom de sátira A morte de Stalin, filme do escocês Armando Iannucci (criador da série Vice), que estreia hoje no Brasil. Amparado por fatos, humor inteligente e elenco de peso, o longa recupera os momentos posteriores ao derrame cerebral que matou o líder em 5 de março de 1953 – morte ainda hoje controversa. Há quem acredite que ele tenha sido envenenado.
A sequência inicial já deixa as intenções bem claras. Em meio a um concerto, o diretor da Rádio do Povo, em Moscou, recebe um telefonema. Só lhe passam o número para o qual deve ligar em exatos 17 minutos. Quando faz a ligação, percebe que o interlocutor é o camarada Stalin, determinando que uma gravação daquele concerto deve ser enviada.
É claro que o concerto não foi gravado. Às pressas, a direção da casa tenta convencer o público, que havia deixado o local, a retornar. A orquestra sinfônica volta ao palco, com novo maestro (retirado de casa de pijamas). Moradores de rua completam a plateia. Com atraso, a gravação é entregue. Stalin tem um derrame logo depois de receber o registro.
Rei morto, rei posto, a confusão é imediata. Aspirantes a mandatários entram numa atrapalhada disputa de poder. Simon Russell Beale (da série Penny Dreadful) dá vida ao ex-chefe da temida NKVD (o Ministério do Interior da URSS) Lavrentiy Beria. É o maior vilão numa narrativa em que todos têm contas a pagar e ninguém é inocente.
KRUSCHEV - Jeffrey Tambor interpreta o apalermado Geórgiy Malenkov. Um dos colaboradores mais próximos de Stalin, ele é escolhido como o sucessor. “Não tenho ideia do que está acontecendo”, diz ele no auge da confusão. Terá em seu encalço Nikita Krushchev (Steve Buscemi, em grande momento), capaz de mudar de lado num piscar de olhos. Krushchev, vale dizer, tornou-se o primeiro-ministro da URSS em 1958, adotando a política antistalinista.
A morte de Stalin foi baseado na HQ francesa homônima, de Fabien Nury e Thierry Robin, lançada no Brasil pela editora Três Estrelas. Ainda que os fatos façam parte da história oficial da ex-URSS, as (muitas) liberdades tomadas nos diálogos e nas situações retratadas provocam risos diante de um dos governos mais sanguinários da história mundial.
A Rússia do presidente Vladimir Putin não gostou. Putin já declarou que a “excessiva demonização de Stalin é uma das formas de os inimigos da Rússia a atacarem”. Pois no fim de janeiro, prestes a estrear na Rússia, o filme teve sua permissão para distribuição revogada pelo Ministério da Cultura.