As boas maneiras tem seu clímax em noites de lua cheia. A lenda universal do lobisomem já teve várias versões cinematográficas, inclusive no Brasil, onde produções de tom mais assustador são raras no cinema comercial, mesmo com a grande variedade de fábulas sombrias em nossa cultura. Quebrando esse paradigma, a premiada coprodução entre Brasil e França chega nesta quinta (7) às salas nacionais com uma trama bem particular sobre o monstro, incluindo ainda um romance entre patroa e empregada, camadas de humor, drama, musical e crítica social.
A proposta ousada dos diretores Marco Dutra e Juliana Rojas agradou aos jurados de vários festivais nos últimos nove meses. O longa recebeu o prêmio especial do júri em Locarno, na Suíça, e em Gérardmer, na França, além do prêmio principal na última edição do Festival Internacional do Rio. Uma gestação vitoriosa para a história de Ana (Marjorie Estiano), uma endinheirada filha de fazendeiro, recém-chegada a São Paulo. Grávida, ela procura uma babá para cuidar de seu futuro bebê e dar conta das demais tarefas domésticas. Embora não se apresente como a candidata mais credenciada, a escolhida foi Clara (Isabél Zuaa), que deixa sua moradia na periferia para viver na casa da nova patroa em um bairro nobre da capital paulista.
Embora comece sob um cenário de tensões e contrastes sociais evidentes, a trama vai entrando por outros caminhos. As duas personagens, de realidades totalmente opostas, começam a se aproximar. Ana se mostra uma figura divertida, fã de sertanejo universitário, mas muito solitária por conta de histórias passadas, que a fizeram deixar o interior de Goiás. Sua única companhia, Clara começa criar uma admiração pela patroa, ao mesmo tempo que descobre comportamentos amedrontadores dela em noites de lua cheia. Em meio à mistura do horror fantástico com as arestas da realidade, ocorre um romance entre as duas. Segundo Juliana Rojas, a ideia surgiu de um sonho do parceiro Marcos Dutra, com quem também realizou Trabalhar cansa (2011), outro suspense, selecionado na época para a mostra Um Certo Olhar, em Cannes.
Nessa ideia de mesclar características de gêneros variados, a história se divide em duas partes, com cenas de musical, ação, drama e outras doses de crítica social. “Construímos a história pensando sempre no fascínio que existe pela lenda do lobisomem em todo o mundo até hoje. E é uma história muito popular no folclore brasileiro, no interior, no meio rural, porque fala de dualidade. Então, levamos essa ideia para outros aspectos do filme. Falamos de contrastes sociais, da geografia da cidade de São Paulo, com um lado rico e um lado pobre separados por uma ponte, as personagens femininas, Clara e Ana, uma mulher negra e outra branca, uma pobre e outra rica, tem a maternidade biológica e a adotiva, são várias camadas de contraste, além do imaginário do lobisomem como ícone do horror”, explica a diretora.
Apesar de filmes estrangeiros de suspense ou terror sempre figurarem entre as principais bilheterias do ano no Brasil, poucas produções nacionais do gênero costumam entrar em cartaz no circuito comercial, em comparação com a comédia, por exemplo. Respaldada pelos prêmios internacionais, os realizadores esperam um bom resultado e novas possibilidades para esse tipo de proposta.
“Estamos bastante ansiosos. Não sabíamos como seria a reação do público, por ser um filme muito estranho. É uma fábula de horror, com momentos musicais e de fantasia, então não se categoriza um gênero fixo, mas tem sido bastante surpreendente. Fez sucesso em países de cultura muito distintas, em festivais segmentados de fantasia e também de arte alternativa. As pessoas se conectaram com a história das personagens. Esperamos a mesma reação do público brasileiro, onde as pessoas não estão acostumadas a ver filmes nacionais de horror e fantasia, tomara que seja algo que estimule”, revela Juliana Rojas.