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Filmes premiados em Cannes abordam questões sociais


Autor de comoventes crônicas familiares, o cineasta Hirokazu Kore-Eda, que conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, encerrado no sábado, criou uma obra íntima centrada em pessoas comuns. O japonês segue a trilha de Ken Loach, cuja obra admira.

Em seu 13º longa-metragem, Shoplifters, Kore-Eda conta a história de uma “família informal” especializada em pequenos delitos. Formado por gente simples que se dedica a roubar lojas de conveniência, o grupo é chefiado por Osamu (Lili Franky). Certa noite, o clã abriga Yuri (Miyu Sasaki), garota vítima de maus-tratos. Com pouquíssimo dinheiro, eles têm uma vida relativamente feliz, até que um incidente revela segredos que põem afetos à prova.

“Claro que se uma família como essa existisse na vida real no Japão, ela seria considerada um grupo de criminosos. Mas o comportamento que pode ser entendido como criminoso, esses pequenos delitos, é o que fortalece a ligação afetiva entre eles”, diz Kore-Eda. “Essa família é especial, formada por entes de outras famílias que fracassaram. Eles se unem porque querem recriar o sentimento que perderam”, defende.

Shoplifters talvez seja o mais social de meus filmes”, reforça o diretor.
“O que é família: os laços de sangue ou o fato de as pessoas passarem algum tempo juntas?”, questiona, admitindo que não encontrou respostas para essa pergunta.

Aos 55 anos, o japonês é autor de uma obra coerente que mescla aspectos sociais e laços familiares. Além de se dedicar a essa temática, Kore-Eda, que estreou como documentarista, fez incursões no cinema judicial. Nascido em Tóquio, ele se formou pela prestigiada Universidade de Waseda  e iniciou sua carreira na televisão. Tornou-se diretor em 1995, lançando o filme Maborosi, apresentado no Festival de Veneza.

Em 2001, Kore-Eda disputou a Palma de Ouro com Distance, que trata do massacre coletivo cometido por uma seita e discute as consequências da violência para os parentes das vítimas. Três anos depois, o diretor ficou famoso com Ninguém pode saber, filme sobre quatro irmãos abandonados pela mãe em um apartamento. Yuya Yagira, que interpretava o mais velho da família, tornou-se, aos 14 anos, o ator mais jovem a conquistar o prêmio de interpretação masculina em Cannes.

Depois vieram os longas Andando (2008), O que eu mais desejo (2011), sobre dois irmãos, e Pais e filhos (2013). Esse último, que levou o Prêmio do Júri em Cannes, é considerado a obra-prima do cineasta japonês.

“Festivais internacionais não são um objetivo em si, mas um meio de tornar os filmes conhecidos para muitas pessoas”, afirma o ganhador da Palma de Ouro em 2018.

OZU O “estilo Kore-Eda” – melancólico e com olhar terno voltado para as crianças – faz com que o diretor seja comparado a Yasujiro Ozu (1903-1963), o gigante do cinema japonês.
Um elogio que o cineasta aceita com educação, embora prefira ser relacionado ao inglês Ken Loach, mestre em valorizar a gente comum em suas produções.

Longa após longa, Kore-Eda vem formando um elenco que se repete em suas produções. É o caso da grande atriz japonesa Kirin Kiki, que costuma interpretar avós mal-intencionadas, e de Hiroshi Abe, de 53 anos, que atuou em Depois da tempestade e O que eu mais desejo, lançados no Brasil.

INFÂNCIA Outro longa que remete a questões familiares e à infância ganhou destaque na edição deste ano de Cannes. A cineasta libanesa Nadine Labaki recebeu o Prêmio do Júri pelo comovente Capharnaüm, sobre um garoto e um bebê que sobrevivem nas ruas de Beirute, capital do Líbano.

Aos 12 anos, o adolescente Zein é preso, acusado de esfaquear uma pessoa. No tribunal, processa os próprios pais por não amá-lo e submeter os irmãos a maus-tratos. Vivendo nas ruas, o rapazinho cuida de um neném etíope. O ator principal é Zain Al Rafeea, refugiado sírio de 13 anos, que participou das sessões em Cannes.

“A infância maltratada é a base dos males deste mundo”, afirmou Nadine Labaki ao receber o troféu ao lado do ator adolescente. “Não podemos permanecer cegos para o sofrimento dessas crianças”, avisou a libanesa. .