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Retrato do impeachment de Dilma Rousseff, 'O processo' chega aos cinemas


Muitas das cenas de O processo foram vistas antes, pela TV. Outras eram de acesso exclusivo da diretora Maria Augusta Ramos. O documentário, de 2h15, que estreia nesta quinta (17) nos cinemas, mostra o desenrolar dos acontecimentos políticos e judiciais do impeachment da presidente Dilma Rousseff, desde a votação na Câmara, em abril de 2016, até a perda do mandato, em 31 de agosto daquele ano.

Sem entrevistas ou comentários, apenas com imagens das sessões no plenário, coletivas de imprensa e reuniões de bastidores, tanto da defesa quanto da acusação, o longa estreou no Festival de Berlim, em fevereiro, e estreia no circuito comercial brasileiro depois de circular – e ser premiado – por outros festivais dentro e fora do país. No entanto, a conquista que a diretora almeja alcançar é incentivar o público a refletir sobre o momento político do país e participar da construção de uma sociedade mais tolerante e menos polarizada.

O primeiro plano de O processo mostra a Esplanada dos Ministérios tomada por manifestantes de verde e amarelo, à direita; e de vermelho, à esquerda. Uma imagem que, por si só, ilustra o cenário político nacional dos últimos anos, cuja cisão ideológica teve seu ápice no processo que retirou Dilma Rousseff do poder, abreviando um mandato conquistado nas urnas, numa eleição já marcada pela exacerbação dos desentendimentos entre dois polos políticos.

Reconhecida especialmente pelos longas Justiça (2004) e Juízo (2008), documentários internacionalmente premiados que mostram as estruturas do sistema judiciário do Brasil, Maria Augusta Ramos diz que seu novo longa faz parte da “continuidade” de sua cinematografia. “Todos os meus filmes são realizados a partir de uma necessidade de entender um processo, uma realidade, e esse tema na sua complexidade e multidimensionalidade”, afirma.

A diferença no processo de produção de O processo em relação aos documentários anteriores da cineasta foi a espontaneidade da produção. “Não foi como nos outros filmes, em que surgiu a ideia e fiz uma longa pesquisa, roteiro, preparação (antes de filmar). Houve uma urgência, uma necessidade pessoal muito grande de entender aquele processo, as acusações, como ele se daria.
Resolvi ir a Brasília e cheguei lá quatro dias depois (da decisão), oito antes da votação na Câmara”, explica a diretora.

Dadas essas condições, não havia um direcionamento prévio da abordagem a ser feita. “Cheguei sem conhecer ninguém, nem da esquerda, nem da direita, nem do centro. Foi descoberta mesmo, desde o primeiro momento. E como não houve preparação, também não sabia se iria conseguir autorização ou não. Tudo foi tomando forma durante as filmagens”, conta.

BASTIDORES O resultado são sequências que alternam entre os bastidores das reuniões da cúpula do PT – entre Gleisi Hoffmann, Fátima Bezerra, Lindbergh Farias e o advogado de defesa, José Eduardo Cardozo – com momentos de atuação da advogada de acusação, Janaína Paschoal. Entre essas duas pontas, cenas das sessões na Câmara; das discussões e da votação do relatório, na Comissão de Impeachment do Senado; discursos de figuras conhecidas do processo, como o relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) e os parlamentares de oposição Aloysio Nunes (PSDB-SP) e Ronaldo Caiado (DEM-GO); além de embates entre eles e seus opositores. Os momentos finais mostram encontros da ex-presidente com seus grupos de apoio e também seus pronunciamentos para a imprensa e para os senadores.

Se o filme dedica mais tempo à defesa de Dilma do que aos seus acusadores, é por uma questão de disposição dos envolvidos a franquear o acesso à equipe de filmagem, segundo explica a diretora.
“O acesso às lideranças políticas da direta e da oposição não foi tão permitido, mas contemplamos o argumento deles de maneira correta e respeitosa. E é importante ouvir os argumentos da esquerda. O filme vem preencher uma lacuna, já que faltava essa informação na grande mídia – qual era a base dessa acusação. Para poder pensar, refletir e questionar essas opiniões e preconceitos. O filme possibilita às pessoas, agora com distanciamento de dois anos, essa reflexão. Espero que cada um possa tirar sua própria conclusão, se foi justo, se houve ou não o crime de responsabilidade. Tenho minha visão, como indivíduo que sou, mas acho que o filme é muito maior que minha visão pessoal”, afirma Maria Augusta Ramos.

A diretora esclarece que todas as filmagens foram feitas seguindo os procedimentos legais, ou seja, devidamente autorizadas. “Em nenhum momento tentamos ridicularizar alguém ou banalizar qualquer coisa.
Não quero defender uma tese, por isso todas as pessoas e protagonistas são humanizados, tratados como pessoas. Claro que não posso mudar quem eles são, como eles pensam. Posso até discordar, mas ouvir o outro é importante”, afirma.

Além de imagens e pronunciamentos de valor histórico, muitos deles repetidos várias vezes na TV na época dos acontecimentos, momentos mais reservados das personalidades envolvidas também entram no corte final. José Eduardo Cardozo aparece em alguns momentos atendendo a uma ligação da filha ou tendo uma conversa informal com outros advogados e lideranças políticas. Janaína Paschoal é vista saboreando um Toddynho, enquanto trabalha, e também atendendo gentilmente vários admiradores em busca de uma selfie.

AUTOCRÍTICA  A edição inclui momentos em que os políticos do PT admitem que dificilmente o processo seria revertido nas votações em plenário e traçam estratégias para as sessões. Gleisi Hoffmann e Gilberto Carvalho também aparecem reconhecendo erros do partido ao longo da caminhada política que culminou no impeachment.

Episódios paralelos como a condenação do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) e a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo (PT-PR) entram na construção da narrativa. “Minha proposta é o cinema reflexivo, por isso não tem entrevista nem comentários. Claro que minha visão e minha experiência estão presentes na maneira como o filme é editado. Não há como fazer um documentário totalmente isento, mas a proposta é levar o público a questionar, a pensar. Do fundo do meu coração, gostaria que o filme pudesse contribuir para uma reflexão e para entendimento do outro, gerar uma tolerância maior, um diálogo, para que a gente volte a se entender como país e deixe de ser tão polarizado”, diz a cineasta.

Financiado coletivamente por doações, O processo foi premiado nos festivais Visions Du Reel (Suíça), IndieLisboa (Portugal) e Documenta Madri (Espanha).
“É um reconhecimento muito importante desses festivais com júri internacional. Notamos que muita gente fica surpresa com a narrativa. Contribuímos na elucidação desses fatos que nem sempre são bem esclarecidos também pela mídia estrangeira”, avalia Maria Augusta. Após a sessão de hoje às 20h no Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, haverá bate-papo com a presença da diretora.

 

Abaixo, confira o trailer de O processo

 

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