Nos últimos anos, a diversidade se tornou tão necessária na produção cinematográfica quanto luz, câmera e ação. Sob os holofotes de Hollywood, movimentos exigem mais representatividade para artistas negros no Oscar, igualdade salarial entre os gêneros e mais reconhecimento para o trabalho das mulheres, cuja presença é hoje minoritária em indicações a prêmios.
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Ministro da Cultura fala sobre troca na direção da AncineEx-gerente do BNDES, Fernanda Farah recebe indicação para diretoria da AncineMostra de Cinema de Tiradentes completa 20 anos e homenageia mulheresDe acordo com os novos parâmetros, ao menos 35% desse valor deverá financiar filmes dirigidos por mulheres cisgênero, transexuais ou travestis. Outros 10% são assegurados para projetos com direção de pessoas negras ou indígenas. Os dados de 2016 ainda apontam apenas 2,1% dos filmes lançados naquele ano por homens negros e nenhum por mulheres negras.
INCLUSÃO
Diretoras ouvidas pelo Estado de Minas avaliam que a medida é positiva, mas insuficiente para estabelecer um panorama mais diverso na produção cinematográfica brasileira. Vencedora da Mostra de Tiradentes no ano passado com o longa Baronesa, a diretora mineira Juliana Antunes enfatiza a necessidade de políticas amplas para a correção da disparidade histórica entre homens e mulheres no cinema.
“As cotas devem valer para tudo, não só para a Ancine. O número de produções feitas por mulheres é muito baixo e, quando conseguem, é a que preço? Para Baronesa, eu tive um orçamento de R$ 50 mil.
“Quando estudava cinema, meus professores, quase todos homens, me direcionavam a ser produtora, diretora de arte, ninguém incentivava a ser diretora. A gente tem que ser assistente de produção, passar por várias etapas até chegar lá, enquanto muitos homens já começam dirigindo. Por isso cotas são urgentes, para todas as minorias – homens negros, indígenas. Está passando da hora e (isso) ainda não é suficiente”, afirma Juliana, que conquistou outros sete prêmios com Baronesa, seu primeiro longa.
Sócia com outras duas mulheres na produtora Ventura, a cineasta pretende aproveitar o edital para viabilizar um novo projeto, chamado Bate e volta Copacabana, um longa sobre duas garotas lésbicas da periferia de BH que partem em uma excursão de fim de semana rumo ao Rio de Janeiro para conhecer o mar. “É um filme inclusivo, que apresenta a questão de gênero, LGBT, fala sobre o direito a território, sexualidade feminina e a relação entre mulheres, que raramente é mostrada na tela no cinema brasileiro”, diz.
Marcella Jacques, produtora na Ventura, avalia que a cota de 35% para mulheres é “cabível”, em um primeiro momento.
Além das cotas, outro ponto defendido por Marcella é o incentivo para empresas produtoras de menor porte. A primeira versão do edital, divulgada pela Ancine em 19 de março, foi recebida com preocupação por ela e por diversos outros profissionais do audiovisual em Minas Gerais devido à exigência de qualificações técnicas das empresas produtoras. O edital usa um sistema de ponderação de fatores na atribuição de notas aos projetos concorrentes.
No concurso direcionado a filmes de viés comercial, a qualificação técnica do diretor e a capacidade gerencial e desempenho da produtora (critérios baseados no currículo do diretor e da produtora e no desempenho de seus filmes nos cinemas e nos festivais) tinha 60% de peso. Já a disputa voltada a filmes artísticos e autorais atribuía 55% de peso para a qualificação do diretor e da produtora. Os outros critérios de avaliação são o projeto do filme em si e seu planejamento de produção e adequação do plano de negócios.
Para Marcella, esse modelo prejudica quem é iniciante.
Luana Melgaço, produtora da Anavilhana Filmes, também entende que a construção de um cinema nacional mais forte e diverso vai além das cotas. “Elas são fundamentais, mas é quase uma migalha o que estão nos dando. A política hoje é para que as grandes empresas tenham acesso. É quase dirigido o resultado. Queremos que as cotas sejam muito mais amplas, em todas as linhas, todos os editais.
A produtora cita o filme Hoje eu quero voltar sozinho (2014), de Daniel Ribeiro, para exemplificar sua avaliação de que há um direcionamento nos resultados. “Foi um filme escolhido para representar o Brasil no Oscar, deu um retorno de bilheteria legal (US$ 1,2 milhão) e foi feito por produtora e direção iniciantes. É um filme que pretende dialogar com o público, tem uma forte característica autoral, mas, se fosse tentar a Linha A (trecho do edital da Ancine voltado a produções comerciais) não alcançaria a pontuação necessária.”
PERCURSO
Gabriel Martins, diretor mineiro do curta Nada, exibido em Cannes em 2017, endossa a crítica. “Temos um sistema de pontuações que privilegia realizadores com certo percurso. No caso de realizadores negros, é evidente que ainda temos um déficit muito grande no número de produções. O desafio é contemplar produtores de menos experiência com cotas ou editais específicos. Nas regras atuais, a pontuação da produtora conta muito. Minha produtora tem uma história de sucesso, curta exibido na TV, 10 anos de existência, mas temos poucos longas e poucos produtos considerados de mercado. É um exemplo de como isso deveria ser repensado.”
Martins também opina que um dos desafios é “melhorar a informação sobre as leis”. “Deveria haver uma política para melhor formação sobre os editais do cinema brasileiro.
Gabriel se prepara para rodar Marte 1, sua primeira direção solo de longa-metragem. O projeto é financiado pelo edital afirmativo de longas de baixo orçamento do Ministério da Cultura, voltado a diretores negros. Sobre a política de cotas da Ancine, ele diz que existe uma demanda que não é exclusiva do cinema. “Não se diferencia muito de outros setores públicos no Brasil. É compensar uma questão histórica. As demandas se aproximam de um panorama mais amplo, como foi o acesso às universidades. É para dar oportunidade, mais variedade e incluir mesmo. É um fato, não é uma opinião a ausência de realizadores e realizadoras negras no cinema brasileiro”, afirma.
QUESTÃO MOTIVOU RACHA NA ANCINE
Em dezembro do ano passado, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, se desentendeu publicamente com a então presidente interina da Ancine Débora Ivanov. O motivo era justamente a política de cotas para o audiovisual. Em nota, o MinC comunicou a aprovação pelo comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) de um pacote de verbas e medidas para a promoção da igualdade, mas expondo que o único voto contrário foi o de Débora. Em resposta, a agência declarou que a presidente era contra a postergação das medidas, proposta pelo ministro, que gostaria de submetê-las ao Conselho Superior do Cinema.
Em janeiro, Débora Ivanov deixou a presidência da Ancine e voltou a exercer o cargo de diretora da agência. Sérgio Sá Leitão emplacou a indicação de Christian de Castro como novo diretor-presidente da agência. Hoje, Débora Ivanov é esperada na UNA da Praça da Liberdade, como uma das convidadas do seminário “Mulheres no audiovisual brasileiro”. O evento está marcado para as 19h30, na Rua da Bahia, 1.764, Centro. Mais informações em www.una.br.