Vencedor do Festival de Brasília em 2017, Arábia, dos diretores mineiros Affonso Uchôa e João Dumans, estreia em Belo Horizonte encarando duas questões emblemáticas do cinema nacional. Ambas dizem respeito às velhas engrenagens do setor, que penalizam filmes independentes, de baixo orçamento e pouco apelo popular como o de Uchôa e Dumans.
Rodado em Contagem e Ouro Preto, o longa é uma espécie de ode ao trabalhador. A partir de um diário-caderno, acompanha as andanças de Cristiano (Aristides de Souza, que ganhou o prêmio de melhor ator em Brasília) pelo interior de Minas em busca de emprego. Com muitos elogios, o filme foi exibido também no Film Festival Rotterdam e na 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro.
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“Isso é um pouco frustrante para o cinema que a gente faz, no qual a gente acredita.
OUTRO OLHAR SOBRE MINAS Arábia surgiu da vontade dos cineastas Affonso Uchôa e João Dumans de contar uma história mineira sob ângulos que a dupla considera pouco abordados. Contagem, ponto de partida da saga de Cristiano, é a cidade onde Affonso mora desde a infância.
Um passeio dos dois pela vila operária da cidade histórica selou o projeto, inspirando as primeiras ideias sobre o roteiro. João Dumans e Affonso Uchôa também assinaram o elogiado A vizinhança do tigre, lançado em 2014 e rodado na periferia de Contagem.
“Arábia é, sem dúvida, uma história mineira, com forte relação com Minas Gerais. O personagem é aquele trabalhador comum que a gente vê em vários contextos. Mas, aqui, existe um nome para ele: o ‘trecho’. Cristiano ‘virou’ a própria estrada enquanto lugar. O nosso protagonista é isso: um trabalhador de trecho”, observa Dumans.
De acordo com ele, a narrativa traz elementos do imaginário mineiro. “A própria história de Minas não é uma história muito marcada pelo prazer. O prazer é sempre visto sob o ângulo da culpa.
BAIRRO NACIONAL O ator Aristides de Sousa é elemento central no roteiro. Ele e Affonso Uchôa cresceram juntos no Bairro Nacional, embora tenham trilhado caminhos muito diferentes. Com história marcada pela pobreza e violência, Sousa é ex-presidiário, condenado por furto e roubo.
Chegou a ser preso na véspera das filmagens de Arábia, mas conseguiu participar delas graças à intervenção dos diretores com o auxílio da Defensoria Pública de Minas Gerais.
Uchôa e Dumans redigiram um dossiê com informações sobre a trajetória de Aristides de Sousa, chamado por eles de Juninho, e os prêmios que conquistou no filme anterior da dupla, A vizinhança do tigre. Argumentaram que o trabalho é uma forma eficaz de reinseri-lo socialmente.
“A potência do Juninho como artista e como pessoa é muito maior do que todos os estigmas em torno dele. A maior lição que nos deu é de que é dono do próprio destino. É um cara com a força de tomar as rédeas da própria vida. Pra nós, isso é absolutamente inspirador. Esse cara passou por coisas terríveis e nem por isso chora pitangas pelo caminho. Ele se joga, se reinventa”, elogia Uchôa.
Os laços – tanto de afeto quanto profissionais – permanecem sólidos no trio João, Aristides e Affonso.
Arábia está em cartaz no Belas 1, em três horários: às 16h40, 19h10 e 21h10. Abaixo, confira o trailer: