O diretor Richard Linklater parece concordar com a amplamente difundida ideia de que, “numa guerra, a primeira vítima é a verdade”. Mas em seu longa A melhor escolha, que estreia nesta quinta (22) no Brasil, Linklater não parte em busca da verdade soterrada pela guerra, mas sim de uma resposta sobre como conviver cotidianamente com as mentiras engendradas por ela.
“Cada geração tem a sua guerra”, observa Larry (Steve Carell), a mais triste ponta do triângulo de protagonistas do filme. A dele foi a do Vietnã; a de seu filho, a Guerra do Iraque. Estamos em 2003, e Larry foi informado pelo governo de que seu filho morreu em combate e deverá ser enterrado com as honrarias correspondentes a uma morte heroica, no cemitério de Arlington.
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Larry os convida a ir com ele ao enterro do filho. Mas, em Arlington, os três descobrem que a morte do fuzileiro foi menos heroica do que a versão oficial. Em suma, o governo mentiu para Larry, que decide levar o corpo do filho de volta “para casa”, com a ajuda dos amigos. O périplo do trio é o cerne do filme.
Nas conversas ao longo do caminho, percorrido de trem, de carro, de caminhão, a pé, as memórias do que os três viveram juntos no Vietnã e as cicatrizes individuais da guerra (patentes no estado atual da vida de cada um) convivem o tempo todo. Esse jogo de espelhos é um dos pontos altos do filme de Linklater, que, mais uma vez, mostra-se um diretor apaixonado por seus personagens e capaz de colocar-se a serviço dos atores, evitando exibicionismos de virtuose. É de Linklater, afinal, o sincero e despretensioso Antes do amanhecer (1995), que acabou se tornando um clássico da comédia romântica e derivando numa trilogia – Antes do pôr do sol (2004), Antes da meia-noite (2013).
LUPA Em A melhor escolha – baseado no livro de Darryl Ponicsan, que divide o roteiro do longa com Linklater – o diretor mais uma vez coloca sua lupa na vida comum de pessoas singulares e observa, mais do que ressalta, o modo como elas lidam com seus conflitos.
O pano de fundo do longa, porém, é de uma densidade tão extensa que o força a vir à tona. Em imagens de TV de hotéis e restaurantes surgem as cenas da captura de Saddam Hussein, dos corpos de seus filhos assassinados e da população iraquiana reagindo à invasão americana. A referência às “armas de destruição em massa” que o Iraque supostamente possuía – a justificativa dada pelos Estados Unidos para invadir o país do Oriente Médio, revelada mais tarde inverdadeira – surge apenas uma vez. Os questionamentos sobre o sentido da guerra – a passada, a atual e as futuras, por que não? – são mais presentes.
A trinca de ases de protagonistas brilha de diferentes maneiras. Contido em todas as suas emoções por um traço de personalidade, o Larry de Steve Carell sofre para dentro. Laurence Fishburne dá a seu Mueller, alguém que experimentou uma reinvenção radical, certa dose de ambiguidade. Em determinados momentos, não se sabe se ele superou ou apenas abafou os ecos de seu passado. Embora não chegue a ser surpresa, é notável que Bryan Cranston consiga fazer com que Sal seja ao mesmo tempo exuberante e depressivo. A cena em que ele compara a potência da juventude com a flacidez da maturidade é uma pequena pérola da comédia.
O que impede A melhor escolha de ser um panfleto antibélico ou belicista, já que os veteranos mantêm seu apego ideológico e emocional à Marinha, mesmo estando indignados com as mentiras governamentais, é o conflito interno envolvendo “a verdade” e “a mentira” na guerra. O trio dividiu uma situação trágica no Vietnã, cuja versão oficial é diferente dos fatos. Ao tentar restabelecer os fatos no lugar da versão, eles experimentam um dilema que leva à reavaliação das razões pelas quais Larry não foi informado das reais condições em que seu filho morreu.
Pode-se argumentar que esse arranjo referenda o artifício de usar uma pequena mentira para sustentar uma mentira muito maior. Porém, como já está claro a essa altura, o propósito de Linklater aqui não parece ser impulsionar uma discussão em profundidade sobre o pendor dos Estados Unidos para se meter em guerras, mas compreender alguns reflexos delas na vida de seus cidadãos comuns. Nesse sentido, A melhor escolha é um título pouco feliz (o original é Last flag flying, e a bandeira americana é uma personagem tanto metafórica quanto literal no longa) para um filme que procura o meio do caminho entre as definições de “certo” e “errado”, sobretudo quando elas estão envoltas “sob a névoa da guerra”, algo tão bem descrito no documentário de Errol Morris com Robert McNamara.
Abaixo, confira o trailer de A melhor escolha: