O cinema do diretor turco-alemão Fatih Akin, de 44 anos, carrega um traço político. Filho de imigrantes, ele nasceu em Hamburgo, Norte da Alemanha, onde vive. A sobrevivência em meio à pressão das tradições turcas é o que move Contra a parede (2004). A globalização e a necessidade de conhecer as raízes pautaram Do outro lado (2007). O choque cultural demarcou Soul Kitchen (2009). Em pedaços, que chega hoje aos cinemas brasileiros, é um filme sobre o extremismo de direita que assola a Europa. Mas a narrativa parte de um drama pessoal para explicitar as consequências da intolerância racial.
Em seu primeiro longa falado em alemão, a atriz germano-americana Diane Kruger (Bastardos inglórios e Adeus, minha rainha) interpreta Katja Sekerci. A personagem mora em Hamburgo com o marido, o imigrante turco Nuri Sekerci (Numan Acar), e o adorável filho do casal, Rocco (Rafael Santana). Num dia como outro qualquer, deixa o garoto no escritório do pai. Ao voltar, no início da noite, descobre o horror.
Uma bomba havia explodido no local. Nuri e Rocco foram as vítimas fatais. Em estado de choque, Katja só se lembra de uma coisa. Ao deixar o menino com o pai, vira uma alemã colocando uma bicicleta em frente ao escritório. Um detalhe lhe chamara a atenção: como a moça não havia colocado cadeado na bike, alguém poderia roubá-la.
A descoberta de que a família foi morta por causa de um crime de ódio leva Katja aos tribunais em busca de justiça. Os dias na corte são entremeados com a convivência diária com a desconfiança e o preconceito. Uma decisão radical vai fazer com que a personagem encontre justiça.
Em janeiro, depois de levar o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro – em maio de 2017, Diane Kruger havia recebido o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes –, Em pedaços foi apontado como aposta certeira ao Oscar. Não chegou aos cinco indicados, mesmo apresentando uma narrativa cara (a xenofobia) à Academia de Hollywood. Confira o trailer:
Isso, de maneira alguma, diminui a força do filme, inspirado em uma série de crimes que assolaram a Alemanha nos anos 2000. “Me incomoda viver num lugar que considero a minha casa – onde me sinto responsável e parte da sociedade –, em que ainda existam forças que te atacam, física e psicologicamente”, afirma Fatih Akin em entrevista ao Estado de Minas.
Em pedaços é um filme sobre medo, raiva e vingança. Como descendente de turcos vivendo na Alemanha, você sente medo e raiva constantemente?
Para ser honesto, sinto. Mais raiva do que medo, para falar a verdade. Me incomoda viver num lugar que considero minha casa – onde me sinto responsável e parte da sociedade –, em que ainda existam forças que te atacam, física e psicologicamente. Continua existindo aqui algo que não está diminuindo, mas só ficando maior. Por isso este filme é tão pessoal para mim. Através da raiva que transmiti, venho conseguindo criar uma discussão.
O filme foi inspirado em um caso real, que ainda está sendo julgado. O que é verdade e ficção na história?
Na Alemanha, entre 2000 e 2006, um grupo de nazistas matou pelo menos uma pessoa por ano. Ao todo foram 10. Além de imigrantes (oito turcos e um grego), também foi morto um policial alemão. E as mortes ocorreram por causa de bombas, como no filme. Por muitos anos, a polícia, a sociedade e a imprensa alemãs pensaram se tratar de crimes praticados por imigrantes. A máfia turca, por exemplo. Não investigaram nenhum grupo neonazista porque havia um certo racismo na sociedade. Os assassinatos foram horríveis, mas pior ainda foi o racismo da sociedade alemã por não deixar as vítimas serem vítimas. Até hoje ninguém sabe se o NSU (o grupo nazista National Socialist Underground, responsável pelos crimes) ainda está ativo. A resposta que tivemos da sociedade é que os crimes foram cometidos por três pessoas. Duas morreram e a única sobrevivente, uma mulher, está respondendo a processo.
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Uma das primeiras imagens que tive do filme foi a do final. Sobre essa questão moral, o que posso dizer é que ela vem de um tipo de pensamento infantilizado. Olhe, o cinema sempre te dá a oportunidade para uma catarse. Pessoas que criticam meu filme não criticam os filmes de Quentin Tarantino. No meu caso, a crítica ocorreu muito por causa do estilo, que é mais realista. Vejo esse tipo de crítica também como elogio, pois se criticaram é porque acreditaram no que criei. E a verdade é que não leio críticas.
Por quê?
Não estou interessado. Faço filmes para mim mesmo e da melhor maneira que posso. E, geralmente, os críticos escrevem sobre eles mesmos. De vez em quando, se estou de bom humor num festival como o de Cannes, deixo um amigo ler. Mas só as positivas.
Pela primeira vez, você trabalhou com Diane Kruger e com Josh Homme, autor da trilha sonora. Como se deu o envolvimento deles no filme?
Para a Diane enviei um tratamento de roteiro. Era algo bem no estágio inicial. Ela respondeu imediatamente, sentiu que poderia ser um divisor de águas em sua carreira. Ela me disse estar surpresa com o convite, ficou pensando onde eu a havia visto. Quando ao Josh Homme, sempre ouvi muito Queens of the Stone Age (grupo liderado por ele). A mistura de agressão e melancolia dessa banda era algo que eu queria para o filme. Alguém me deu o contato dele e então escrevi uma carta. Ele me ligou de volta dizendo que queria ver o filme. Mandei uma versão primária. Estava muito interessado em saber o que Josh Homme pensava, pois naquele momento não sabia que filme tinha nas mãos. Quando ele me ligou de volta dizendo que tinha adorado e queria compor a trilha, vi que tinha algo bom nas mãos. Independentemente do que as outras pessoas pensariam, Josh Homme havia gostado. E isso já é muito.