'Ato de violência', premiado filme de Eduardo Escorel, será exibido no Cine Humberto Mauro

Sessão marca nova temporada do projeto Cine Circuito e terá presença do diretor e de Nuno Leal Maia, protagonista do longa-metragem

por Mariana Peixoto 05/03/2018 09:26

Curta Circuito/Divulgação
Nuno Leal Maia ganhou o primeiro papel dramático no filme 'Ato de violência' (foto: Curta Circuito/Divulgação)
Nunca é fácil digerir um fracasso. “Ato de violência é o típico filme com uma crítica muito boa mas que não aconteceu no cinema. Ele foi muito mal, e é difícil conviver com isso”, afirma o diretor Eduardo Escorel, de 72 anos, mesmo passadas quase quatro décadas do lançamento.

Filmado em 1979, lançado em 1980 no Festival de Brasília – levou cinco prêmios, incluindo os de melhor direção e de roteiro – e no exterior durante a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, Ato de violência é pouquíssimo visto no país. Ficou pouco tempo em cartaz, não foi editado em DVD e teve, salvo engano, apenas uma exibição na TV. “Acho que na Band, meio clandestinamente, de madrugada”, recorda Escorel.

Tanto por isso, o diretor admite ter ficado “comovido” com a iniciativa do Curta Circuito – Mostra de Cinema Permanente. O projeto mineiro dedica sua 17ª edição a longas nacionais do período 1960/1980 que têm a violência como mote. Nesta segunda-feira (5), o filme de Escorel abre a programação de 2018, no Cine Humberto Mauro.

Como não havia cópia em película disponível, a produção da mostra conseguiu gerar um DCP, o arquivo que se tornou o padrão de exibição digital no mundo, a partir de uma cópia em beta. Essa nova chance que o filme está tendo também significa um reencontro. Escorel vem a BH participar da sessão. Terá a seu lado o protagonista do longa, o ator Nuno Leal Maia, de 70. “Fiquei contente de ele ter topado, pois não nos vemos há mais de 30 anos”, afirma o cineasta.

Ato de violência parte de um caso real que fez história no Brasil. O capixaba Francisco da Costa Rocha estrangulou e esquartejou duas mulheres, em 1966 e 1976, depois de ter relações sexuais com elas. Preso pelo primeiro crime durante oito anos, ele voltou a matar da mesma maneira, pouco depois de se beneficiar com o regime de liberdade condicional. Hoje, aos 75 anos, Rocha está preso em Taubaté (SP).

No longa, o personagem de Nuno Leal Maia leva o nome de Antônio Nunes Correia. “Oficialmente, o filme não tem relação com essa pessoa (Francisco), embora o roteiro (assinado por Escorel e Roberto Machado) tenha se baseado em documentos públicos e informações de jornal”, comenta o diretor, que estudou os autos do processo do serial killer capixaba.

SISTEMA A história parte do segundo crime para, em flashback, retomar o passado do personagem até o primeiro assassinato. “Ato de violência nasceu, também em parte, da investigação das condições do sistema penitenciário brasileiro”, comenta Escorel.

As filmagens ocorreram no fim da ditadura militar, já durante a chamada abertura. “Naquele período, falava-se mais dos prisioneiros políticos, mas não do preso comum. O que tentamos fazer é mostrar o funcionamento do sistema carcerário, ainda mais porque ninguém conseguiu explicar como um crime tão aberrante pôde voltar a acontecer”, relembra o diretor, que filmou em três grandes centros prisionais de São Paulo: a Casa de Detenção (o extinto Carandiru), a Penitenciária do Estado e o Presídio de Bauru.

As filmagens foram realizadas entre o início de maio e o final de agosto de 1979. Houve ainda locações na Boca do Lixo, em São Paulo (região onde o criminoso cometeu os dois assassinatos), e em Duque de Caxias (RJ).

Mesmo tendo participado de A dama do lotação (1978), dirigido por Neville de Almeida, Nuno Leal Maia, naquele momento, ainda era conhecido como ator de pornochanchada. “Ato de violência é o primeiro papel dramático principal dele, que, inclusive, lhe deu o Prêmio Air France de melhor ator”, relembra Escorel. O cineasta chegou a testar o então pouco conhecido Paulo Betti para o papel.

Herança getulista

Eliane Coster/Divulgação
Eduardo Escorel se diz comovido com resgate do filme (foto: Eliane Coster/Divulgação)
Ato de violência é o terceiro dos quatro filmes de ficção dirigidos por Eduardo Escorel. Ativo montador, ele desempenhou essa função em Terra em transe (1967) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), de Glauber Rocha; O padre e a moça (1966) e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade; Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho; e, mais recentemente, em Santiago (2007) e No intenso agora (2017), de João Moreira Salles.

Como diretor, Escorel vem se dedicando, desde 2000, aos documentários. Imagens do Estado Novo 1937-45, o mais recente deles, chega aos cinemas no dia 15 – pela dificuldade de entrar no circuito de exibição, o filme será lançado, inicialmente, apenas no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Na versão longa-metragem, o documentário tem três horas e 47 minutos de duração. A versão para a televisão, com cinco episódios de 50 minutos cada, será exibida este ano pela TV Cultura e pelo canal pago Curta.

Escorel levou 12 anos para realizar o documentário, que utiliza imagens antigas (muitas delas inéditas) de 40 arquivos do Brasil e do exterior. A narração é do próprio diretor.

O filme reavalia a herança do período ditatorial de Getúlio Vargas, a censura, as conspirações subversivas e as contradições entre o apoio ao nazismo ou aos Aliados, além da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. “Há imagens que não são conhecidas, como as do Cassino da Urca e da bandeira nazista desfilando pelas ruas do Rio”, diz Escorel.

Iniciado em 1990 com o documentário 1930 – Tempo da Revolução (exibido na extinta Rede Manchete), o projeto teve sequência com os longas 32 – A guerra civil e 35 – O assalto ao poder. “Quando começamos, planejamos ir até 1985, com a eleição do primeiro presidente civil (desde o Golpe de 1964). Como está demorando, acho que não chego até lá”, finaliza Escorel.

Memória preservada

Projeto criado em 2001 para suprir o (na época) restrito espaço destinado à exibição de curtas-metragens, o Curta Circuito foi se modificando no decorrer dos anos. Com a restauração e o consequente relançamento do longa documental Tostão, a fera de ouro (1970), de Paulo Laender e Ricardo Gomes Leite, a partir de 2013 o projeto mineiro passou a se dedicar ao resgate de “uma parte da filmografia brasileira dos anos 1960 e 1970 que havia ficado no esquecimento”, afirma a diretora da mostra, Daniela Fernandes.

Dessa maneira, o Curta Circuito, cujo nome se referia a curtas-metragens, foi ressignificado. Hoje exibindo longas históricos, o nome faz alusão ao ato de curtir cinema. Nos últimos anos, a mostra trabalha com temas. Além de BH, há sessões em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, e Montes Claros, no Norte do estado.

Para 2018, o tema escolhido foi a violência. Oito longas tratam da questão de diferentes maneiras. “Abandonamos as escolhas mais conhecidas pelo grande público e preferimos elementos raros, inusitados”, explica Andrea Ormand, curadora da mostra.

Na seleção estão O outro lado do crime (1979), de Clery Cunha (Gil Gomes vive o repórter de um programa policial de rádio); A próxima vítima (1983), de João Batista de Andrade (sobre o ódio despertado durante uma votação eleitoral); e República dos assassinos (1979), de Miguel Faria Jr. (sobre o crime organizado).

O projeto vinha, até então, trabalhando com a Cinemateca Brasileira, exibindo filmes em cópia 35mm. “Desde o ano passado, surgiram empecilhos. Com a nova política do Ministério da Cultura, não há equipe suficiente para atuar com a saída das cópias”, explica Daniela Fernandes.

A solução encontrada pode dar mais visibilidade a essas produções. A partir de cópias alternativas, o Curta Circuito gerou cópias em DCP para os oito longas. Notável no intuito de preservar a filmografia nacional, o projeto lança, nesta segunda-feira, um caderno com análises dos oito filmes, escritas por jornalistas, críticos e pesquisadores de cinema.

Com um pé no passado e outro no futuro, o Curta Circuito já definiu os temas de suas próximas duas edições: em 2019 exibirá filmes sobre a mulher no cinema brasileiro e, em 2020, sobre o cinema fantástico.

 

CURTA CIRCUITO
Exibição de Ato de violência, seguida de bate-papo com o diretor Eduardo Escorel e o ator Nuno Leal Maia. Hoje (05/03), às 20h. Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Entrada franca. Senhas serão distribuídas a partir das 19h30.

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