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Personalidades lamentam morte de Tônia CarreroVencedor do Oscar, Guillermo del Toro levava baratas para escola Noite do Oscar foi de divisão de prêmiosEmma Watson faz tatuagem em homenagem ao movimento Time's UpTanto por isso, o diretor admite ter ficado “comovido” com a iniciativa do Curta Circuito – Mostra de Cinema Permanente. O projeto mineiro dedica sua 17ª edição a longas nacionais do período 1960/1980 que têm a violência como mote. Nesta segunda-feira (5), o filme de Escorel abre a programação de 2018, no Cine Humberto Mauro.
Como não havia cópia em película disponível, a produção da mostra conseguiu gerar um DCP, o arquivo que se tornou o padrão de exibição digital no mundo, a partir de uma cópia em beta. Essa nova chance que o filme está tendo também significa um reencontro.
Ato de violência parte de um caso real que fez história no Brasil. O capixaba Francisco da Costa Rocha estrangulou e esquartejou duas mulheres, em 1966 e 1976, depois de ter relações sexuais com elas. Preso pelo primeiro crime durante oito anos, ele voltou a matar da mesma maneira, pouco depois de se beneficiar com o regime de liberdade condicional. Hoje, aos 75 anos, Rocha está preso em Taubaté (SP).
No longa, o personagem de Nuno Leal Maia leva o nome de Antônio Nunes Correia. “Oficialmente, o filme não tem relação com essa pessoa (Francisco), embora o roteiro (assinado por Escorel e Roberto Machado) tenha se baseado em documentos públicos e informações de jornal”, comenta o diretor, que estudou os autos do processo do serial killer capixaba.
SISTEMA A história parte do segundo crime para, em flashback, retomar o passado do personagem até o primeiro assassinato.
As filmagens ocorreram no fim da ditadura militar, já durante a chamada abertura. “Naquele período, falava-se mais dos prisioneiros políticos, mas não do preso comum. O que tentamos fazer é mostrar o funcionamento do sistema carcerário, ainda mais porque ninguém conseguiu explicar como um crime tão aberrante pôde voltar a acontecer”, relembra o diretor, que filmou em três grandes centros prisionais de São Paulo: a Casa de Detenção (o extinto Carandiru), a Penitenciária do Estado e o Presídio de Bauru.
As filmagens foram realizadas entre o início de maio e o final de agosto de 1979. Houve ainda locações na Boca do Lixo, em São Paulo (região onde o criminoso cometeu os dois assassinatos), e em Duque de Caxias (RJ).
Mesmo tendo participado de A dama do lotação (1978), dirigido por Neville de Almeida, Nuno Leal Maia, naquele momento, ainda era conhecido como ator de pornochanchada. “Ato de violência é o primeiro papel dramático principal dele, que, inclusive, lhe deu o Prêmio Air France de melhor ator”, relembra Escorel. O cineasta chegou a testar o então pouco conhecido Paulo Betti para o papel.
Herança getulista
Ato de violência é o terceiro dos quatro filmes de ficção dirigidos por Eduardo Escorel. Ativo montador, ele desempenhou essa função em Terra em transe (1967) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), de Glauber Rocha; O padre e a moça (1966) e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade; Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho; e, mais recentemente, em Santiago (2007) e No intenso agora (2017), de João Moreira Salles.
Como diretor, Escorel vem se dedicando, desde 2000, aos documentários. Imagens do Estado Novo 1937-45, o mais recente deles, chega aos cinemas no dia 15 – pela dificuldade de entrar no circuito de exibição, o filme será lançado, inicialmente, apenas no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Escorel levou 12 anos para realizar o documentário, que utiliza imagens antigas (muitas delas inéditas) de 40 arquivos do Brasil e do exterior. A narração é do próprio diretor.
O filme reavalia a herança do período ditatorial de Getúlio Vargas, a censura, as conspirações subversivas e as contradições entre o apoio ao nazismo ou aos Aliados, além da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. “Há imagens que não são conhecidas, como as do Cassino da Urca e da bandeira nazista desfilando pelas ruas do Rio”, diz Escorel.
Iniciado em 1990 com o documentário 1930 – Tempo da Revolução (exibido na extinta Rede Manchete), o projeto teve sequência com os longas 32 – A guerra civil e 35 – O assalto ao poder. “Quando começamos, planejamos ir até 1985, com a eleição do primeiro presidente civil (desde o Golpe de 1964). Como está demorando, acho que não chego até lá”, finaliza Escorel.
Memória preservada
Projeto criado em 2001 para suprir o (na época) restrito espaço destinado à exibição de curtas-metragens, o Curta Circuito foi se modificando no decorrer dos anos. Com a restauração e o consequente relançamento do longa documental Tostão, a fera de ouro (1970), de Paulo Laender e Ricardo Gomes Leite, a partir de 2013 o projeto mineiro passou a se dedicar ao resgate de “uma parte da filmografia brasileira dos anos 1960 e 1970 que havia ficado no esquecimento”, afirma a diretora da mostra, Daniela Fernandes.
Dessa maneira, o Curta Circuito, cujo nome se referia a curtas-metragens, foi ressignificado. Hoje exibindo longas históricos, o nome faz alusão ao ato de curtir cinema. Nos últimos anos, a mostra trabalha com temas.
Para 2018, o tema escolhido foi a violência. Oito longas tratam da questão de diferentes maneiras. “Abandonamos as escolhas mais conhecidas pelo grande público e preferimos elementos raros, inusitados”, explica Andrea Ormand, curadora da mostra.
Na seleção estão O outro lado do crime (1979), de Clery Cunha (Gil Gomes vive o repórter de um programa policial de rádio); A próxima vítima (1983), de João Batista de Andrade (sobre o ódio despertado durante uma votação eleitoral); e República dos assassinos (1979), de Miguel Faria Jr. (sobre o crime organizado).
O projeto vinha, até então, trabalhando com a Cinemateca Brasileira, exibindo filmes em cópia 35mm. “Desde o ano passado, surgiram empecilhos. Com a nova política do Ministério da Cultura, não há equipe suficiente para atuar com a saída das cópias”, explica Daniela Fernandes.
A solução encontrada pode dar mais visibilidade a essas produções. A partir de cópias alternativas, o Curta Circuito gerou cópias em DCP para os oito longas. Notável no intuito de preservar a filmografia nacional, o projeto lança, nesta segunda-feira, um caderno com análises dos oito filmes, escritas por jornalistas, críticos e pesquisadores de cinema.
Com um pé no passado e outro no futuro, o Curta Circuito já definiu os temas de suas próximas duas edições: em 2019 exibirá filmes sobre a mulher no cinema brasileiro e, em 2020, sobre o cinema fantástico.
CURTA CIRCUITO
Exibição de Ato de violência, seguida de bate-papo com o diretor Eduardo Escorel e o ator Nuno Leal Maia. Hoje (05/03), às 20h. Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes.