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Pantera Negra rompe paradigmas, é feminista e traz autoestima a crianças

Tirinha criada pelos artistas Rennan Lemes, Lucas Silva e Valdeci Crabi - Foto: Iconografia letárgica/Divulgação

A menina fantasiada de Mulher-Maravilha brinca com o amiguinho vestido de Super-Homem. No canto da calçada, o garoto negro observa a folia. De repente, surge o super-herói Pantera Negra, que empresta sua máscara para o menino pular carnaval. Essa tirinha de HQ, que circula nas redes sociais, foi publicada por desenhistas e roteiristas mineiros do coletivo Iconografia Letárgica no Facebook. “Ela foi pensada para a nova geração, no quanto é importante para a criança negra se ver representada em ícones como os super-heróis. Nunca houve um super-herói assim, com tamanho investimento e visibilidade como o do filme Pantera Negra. É uma linda declaração de liberdade para que as crianças sintam, de fato, que um negro pode ser o que quiser: cineasta, cientista e até mesmo super-herói”, comenta Rennan Lemes, um dos criadores da HQ.

Pantera Negra se tornou a quinta maior bilheteria de estreia da história nos Estados Unidos, atrás de Vingadores, Jurassic World, Star wars: Os últimos Jedi e Star wars: O despertar da Força. É o filme mais politizado da Marvel – o primeiro do estúdio cinematográfico protagonizado por um super-herói negro.
Nos EUA, faturou US$ 192 milhões, de sexta-feira a domingo, superando a expectativa de US$ 170 milhões. Até agora, somou US$ 420,6 milhões, mundialmente.

O longa, que estreou no país na última quinta-feira, arrecadou cerca de R$ 30,2 milhões entre quinta-feira e domingo. Pantera Negra deixa orgulhosos os negros brasileiros, assim como ocorre nos EUA e na África. Isso é consenso entre artistas entrevistados pelo Estado de Minas. “É uma fantasia, uma ficção, mas totalmente embasada na profundidade africana. Estive na África algumas vezes e, realmente, o filme segue a estética dos reinos, seja nos figurinos, no sotaque, no dialeto criado, na trilha sonora que contempla o tradicional e o moderno. O mais bacana é terem conseguido mostrar um apanhado de todas as Áfricas”, ressalta o cantor, compositor e multi-instrumentista mineiro Sérgio Pererê.
“Nunca vi meu filho mais velho com tanto brilho no olhar. Todos se emocionaram”, conta.

O músico destaca que ali está uma outra África, distante dos clichês. O país fictício de Wakanda é uma potência tecnológica. “Quando se fala em África, muita gente pensa em tambor, naquela coisa do Tarzan, do selvagem, do rústico. O filme tem a coisa da força ancestral e da tradição, mas também o lado moderno que poucos conhecem. Wakanda personifica isso”, analisa.

O jornalista e rapper Roger Deff concorda. “Na maioria dos filmes, o negro é tratado como figura sofrida. Agora ele surge como super-herói, um rei africano.
Sem contar que o continente, quase sempre, está ligado à miséria e à pobreza. Isso existe sim, mas é muito mais do que isso. Pantera Negra pode ajudar a mudar estereótipos não só em relação à África, como ao próprio Brasil”, opina. E destaca a “alfinetada” em Donald Trump, presidente dos EUA. Ao discursar sobre a abertura de Wakanda para o mundo, o protagonista T’Challa/Pantera Negra (Chadwick Boseman) diz: “Em um momento de dificuldade, sábios criam pontes, tolos criam barreiras”.

Só mais velho, Roger Deff percebeu que heróis da TV e das HQ preferidas não eram negros como ele. “A gente ficava com este pensamento: será que eu e quem se parece comigo somos feios, inferiores? A invisibilidade reforça a ideia de que o grupo ao qual pertenço não existe ou não deveria existir. Aí está a importância de um longa como Pantera Negra”, observa.

ELAS O protagonista é homem, mas as mulheres roubam a cena. Sem as personagens interpretadas por Lupita Nyong’o (Nakia), Danai Gurira (Okoye, líder da guarda real Dora Milaje) e Letitia Wright (Shuri), o filme não teria o mesmo impacto. “A força da mulher é o espelho da África atual. Assim como boa parte do mundo, a África é machista.
Porém, quando você vai lá, vê que as mulheres movem todos os setores do continente. Não é à toa que o chamamos de Mãe África. Isso está bem presente no filme”, comenta Sérgio Pererê.

 


A atriz Iasmim Alice diz que as marcantes figuras femininas chamam a atenção tanto pela beleza, a diversidade de suas tribos, os figurinos e a maquiagem quanto pela personalidade e imponência. “O rei sempre está acompanhado por elas. As guerreiras Dora Milaje são o principal exército de Wakanda, Okoye é a generala. Shuri, irmã do rei, projeta equipamentos de alta tecnologia; a rainha é um exemplo de autoridade e compaixão. Nakia, a fiel companheira de batalhas, tem vontade própria”, diz. Iasmim destaca o trabalho da figurinista Ruth E. Carter. “Notam-se nas roupas referências a vestes africanas, com cores vibrantes, um estilo afrofuturista.

E, principalmente, nada hiperssexualizado, como infelizmente costumamos ver em representações de figuras femininas, sejam heroínas ou não”, defende.

Iasmim, que integra o coletivo de mulheres negras feministas Dandara, diz que, assim que o filme estiver disponível, pretende exibi-lo para as crianças de sua comunidade. “A ideia é mostrar a elas uma negra fera em ciências da computação, um herói negro, a beleza de nossos traços, a força dos nossos cânticos, as diversas tribos do continente africano”, diz.

Revolucionário”. Assim a atriz paulistana Domenica Dias, de 18 anos, classifica o longa de Ryan Coogler. “É um marco”, acredita ela, que integrou o elenco de Na quebrada (2014), filme sobre o dia a dia das periferias brasileiras. Filha do rapper Mano Brown e da advogada e produtora cultural Eliane Dias, Domenica conta que, criança, nunca se identificou com heroínas e princesas dos filmes a que assistia – todas brancas. Buscava se “adaptar” a elas, mirando-se “na menina do cabelo preto”. Agora é diferente. “A criança negra vai se ver naquele negro poderoso, naquela princesa inteligente, naquelas guerreiras. Verá gente como ela na capa do caderno, no material escolar.”

UTOPIA Domenica elogia o “roteiro afrofuturista” que celebra a “utopia negra”: Wakanda se propõe a levar tecnologia, conhecimentos e poder “para todos os povos da diáspora africana”, lembra. “Aquele país fictício poderia ser real, caso o continente não tivesse sido usurpado pelo colonizador europeu”, pondera.

Coordenadora do SOS Racismo da Assembleia Legislativa de São Paulo, Eliane Dias foi ao cinema com a filha. Diz que o longa “já chegou tarde, mas antes tarde do que nunca”, referindo-se à antiga luta dos negros por seus direitos. Porém, admite; trata de um “divisor de águas” no que se refere ao empoderamento das crianças. “Autoestima reverbera”, afirma, destacando a importância de um filme assim atrair multidões “neste momento de retrocesso político no Brasil”.

Produtora do grupo de rap Racionais MCs, que sempre denunciou o racismo, Eliane Dias afirma que o longa soube conjugar o aspecto lúdico do universo dos super-heróis com a consciência negra. E diz esperar que isso inspire cineastas, escritores, produtores, artistas e formadores de opinião do país a abordar essa temática, o que, inclusive, pode criar um novo mercado no setor de entretenimento do Brasil.

Fã de quadrinhos desde criança, Emicida lançou rap inspirado no super-herói. Parceria com Felipe Vassão, a faixa está disponível nas plataformas digitais e no YouTube. “Eu me identifico com ele de muitas formas, além, obviamente, do fato de ser negro. A música costura a minha história com a dele. As duas coisas se encontram”, diz. (Colaborou Ângela Faria)

 

 



BLADE


Outros heróis negros já chegaram ao cinema. Um exemplo é a trilogia Blade, o caçador de vampiros (1998 a 2004), estrelada por Wesley Snipes, baseada em HQ da Marvel e lançada pelos estúdios New Line. No entanto, Pantera Negra traz um diferencial: o protagonista é africano, enquanto Blade nasceu nos EUA. Além disso, trata-se da primeira superprodução dos estúdios Marvel escrita, dirigida e protagonizada por afrodescendentes. A maioria do elenco e da equipe do longa é formada por negros.

 

“Nunca vi meu filho mais velho com tanto brilho no olhar”

 Sérgio Pererê, ator

“Revolucionário”

Domenica Dias, atriz
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