Babu Santana tirava um cochilo quando foi acordado pela reportagem do Estado de Minas para uma entrevista ao telefone previamente agendada. A voz era claramente sonolenta. Já o humor nem de longe refletia o de alguém que, naquele dia, acordara às 4h para gravar cenas da quarta temporada de Suburbanos, série do canal Multishow em que o carioca atua desde o primeiro episódio.
Natural quando se está em êxtase. E é esse o estado de espírito de Babu Santana desde que ele recebeu a notícia de que seria o homenageado da 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Realizado na cidade histórica mineira, o evento começanesta sexta-feira (19) e segue até 27 de janeiro, exibindo produções nacionais que abordam, de diferentes maneiras, a realidade. A abertura está marcada para as 21h, com a estreia nacional de Café com canela (2017), de Ary Rosa e Glenda Nicácio, o mais recente trabalho de Babu em cinema. O festival celebra ainda os 300 anos de sua cidade-sede.
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Ele garante que toda a família estará em Minas para vê-lo recebendo o troféu Barroco. Em Café com canela, que será exibido na sequência, Babu interpreta Ivan, um médico gay. A trama gira em torno de uma mãe que se isola do convívio social ao perder o filho e recebe a ajuda de uma ex-aluna.
O ator também está no elenco de Bandeira de retalhos (Sérgio Ricardo, 2017), outro filme inédito na programação da Mostra. Seu personagem é Isidoro, tenebroso bandido da narrativa ambientada no Morro do Vidigal, Rio de Janeiro, em 1977. Uma onda no ar (Helvécio Ratton, 2002), sobre a criação da Rádio Favela em BH, e o já citado Tim Maia completam a lista de títulos exibidos em homenagem ao ator.
SONHO “Ver o Babu sendo homenageado é fácil. Difícil é percorrer meu caminho até aqui. Atuar sempre foi meu sonho e consegui realizá-lo. Essa é outra razão de eu estar tão emocionado com essa homenagem em Tiradentes. Olho para trás e, às vezes, não acredito que cheguei até aqui”, afirma Santana, cujo nome de batismo é Alexandre. A carreira do ator nascido no Morro do Vidigal conta até aqui 31 trabalhos para o cinema e outros 32 para a TV.
Mas o começo de tudo foi mesmo no teatro. Há 20 anos, ele faria a escolha que determinou sua trajetória profissional: entrou para o grupo teatral Nós do Morro. “Essa trupe é a coisa que mais marcou meu caminho. Marcou, inclusive, literalmente. Tenho o símbolo do grupo tatuado no meu braço esquerdo. Foi nele que descobri que poderia sonhar e correr atrás do que queria.”
A primeira peça profissional foi encenada em 1998. O primeiro filme – o curta Um jeito brasileiro de ser – é de 2001. Em 2002, entrou para o elenco do fenômeno Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Kátia Lund). Estômago (Marcos Jorge, 2008), O homem do ano (José Henrique Fonseca, 2003) e Meu nome não é Johnny (Mauro Lima, 2008) são outras produções de destaque de sua carreira. Na TV, as primeiras experiências incluem uma passagem pela novela teen Malhação. A aparição mais recente foi no folhetim global das 18h Novo mundo (2015).
Quem imaginaria que, apesar do currículo experiente, faz somente pouco mais de três anos que o ator consegue viver exclusivamente da profissão. Antes do sucesso de Tim Maia, ele ainda precisava fazer bicos para completar a renda. “As coisas melhoraram muito para mim. Mas ainda tem um perrengue ou outro. Ao me verem fazendo Suburbanos ou sendo homenageado num festival de cinema, as pessoas talvez pensem: ‘Pô, que lindo!’. E é mesmo, atuar é uma alegria. O negócio é que, enquanto isso, preciso me lembrar das minhas contas e me perguntar: qual é o próximo trabalho? Será que vai ter?’ (risos)!”
ESTEREÓTIPOS Babu Santana é certamente um ator conhecido pelos muitos papéis marginais que interpretou, como criminosos e policiais truculentos. “É ainda o peso de ser negro no Brasil. É difícil, né? Você pega, por exemplo, uma novela com temática medieval e ela não tem um personagem negro. Daí, certo dia, entrei na farmácia e bati um papo com uma mulher, que me disse: ‘Ué, mas na Idade Média não tinha negros!’. Diante disso, o que a gente faz? Acha graça. É só o que dá pra fazer (risos)”.
Fã declarado de Lázaro Ramos, Babu tem no ator baiano uma de suas maiores referências. “Ainda sobra muita empregada, muito porteiro, muito segurança para o ator negro fazer. O apelo sexual que nos objetifica continua forte. Mas as coisas estão melhorando. Olho para um cara como o Lázaro e vejo que, apesar de tudo, ele chegou lá. Acho que ninguém mais tem coragem de oferecer a ele papéis estereotipados. Ainda faço alguns. Mas, mesmo quando faço bandido, já não me dão ‘batedor de carteira’. São personagens mais elaborados”, diz.
Questionado se já chegou a recusar convites para atuar por se sentir marginalizado, o artista afirma que tem, por premissa, não dispensar trabalho. “A gente acaba caindo num estratagema da vida, né? Ainda não posso me dar ao luxo de dizer não. Então aceito os papéis que me aparecem, mas tento subvertê-los. Mesmo porque não existe personagem pequeno, existe uma oportunidade. Quem me restringe a um estereótipo é que está errado, não eu que aceito o papel. Aceito para mostrar meu trabalho. Por muito tempo, topei fazer bandidos truculentos porque era a chance que me davam. E foi nesses papéis que cavei meu espaço ao sol. Chega um momento em que, sendo bom, a gente colhe as conquistas”, pondera.
“Qual é o próximo trabalho?” é, felizmente, pergunta para a qual Babu tem resposta na ponta da língua pelo menos até o fim de 2018. Após o término das gravações da quarta temporada de Suburbanos, ele se dedica às filmagens da versão da série para o cinema. “Outra novidade é que estou dublando uma animação, mas, por enquanto, não posso dar muitos detalhes”, conta. Empolgado mesmo é o tom que o ator assume ao falar de seus planos em outro ramo das artes. ‘‘Formei uma banda soul music, a Cabeças de Água Viva. O grupo é uma herança do longa sobre Tim Maia. Aprendi muito durante o filme e fiquei fascinado. Assim que acabar de gravar meus compromissos, caio na finalização do meu single.”
Abaixo, confira o trailer de Café com canela:
21ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Até 27/1, no Centro Histórico de Tiradentes, MG. Atividades oferecidas: 102 filmes (30 longas e 72 curtas-metragens), 51 sessões e 34 debates. Todas elas são gratuitas. Abertura às 21h de hoje, no Cine Tenda (Rua Direita, 68). Programação completa: https://mostratiradentes.com.br. Informações: (31) 3282-2366
• Babu na tela
Confira a programação da mostra em homenagem ao ator Babu Santana
» Sexta-feira (19)
• Café com canela, de Ary Rosa e Glenda Nicácio. Às 21h, no Cine Tenda
» Sábado (20)
• Tim Maia, de Mauro Lima. Às 14h30, no Cine Tenda
• Uma onda no ar, de Helvécio Ratton (MG). Às 17h30, no Cine-teatro Sesi
» Domingo (21)
• Bandeira de retalhos, de Sergio Ricardo. Às 22h, no Cine Tenda