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Diretor Paulo Caldas investiga emoção ícone da língua portuguesa em 'Saudade'

Em todo o vocabulário lusófono, saudade é o verbete mais genuíno. Não apenas por ser um substantivo exclusivo, sem tradução em outras línguas, mas por expressar um sentimento que predomina na cultura portuguesa, estendido às ex-colônias. Assim como o amor, a saudade é capaz de inspirar artistas e motivar histórias. Tema de canções, poemas e outras expressões criativas, ela é a protagonista do novo filme do paraibano Paulo Caldas, que estreia hoje nas salas brasileiras. Em BH, está em cartaz no Belas 3.

“Tinha vontade de voltar a fazer um documentário, mas não queria algo biográfico, sobre um personagem, fato histórico ou um problema político-social. Fiquei pensando um bom tempo. Aí, perdi dois amigos: o Feijão, Paulo Jacinto dos Reis – que é mineiro e fazia a fotografia dos meus filmes –, e o produtor Germano Coelho. Isso ocorreu há cinco, seis anos, um logo após o outro.

Esse sentimento estava me rondando. Então, pensei como seria fazer um filme sobre um sentimento, ainda mais sobre um sentimento particular, pois partiu da minha própria saudade desses amigos. Isso me instigou, foi o principal elemento. Depois que você começa, outras instituições aparecem, mas o sentimento da saudade está muito incrustado dentro da nossa cultura e maneira de viver”, afirma Caldas.

Reverenciado pelo drama Baile perfumado (1997), o diretor havia lançado outros documentários anteriormente – entre eles o curta Ópera cólera (1992) e o longa O rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas (2000). Em pouco mais de 70 minutos de Saudade, há depoimentos de 42 entrevistados e cenas breves do cotidiano de alguns deles. Imagens poéticas colaboram na investigação proposta sobre a saudade. As filmagens foram realizadas no Brasil, Portugal, Angola e na Alemanha, onde o cineasta conversou com artistas de várias áreas.
“Primeiro, pensamos em filmar só países lusófonos, mas incluímos a Alemanha, que era bem representativa dentro da proposta”, revela Caldas.

Entre os entrevistados estão a atriz alemã Juliane Elting, fluente em português por ter morado no Brasil, e a escritora e fotógrafa brasileira Adelaide Ivánova, que vive naquele país europeu. As duas oferecem uma visão linguística além da lusofonia, buscando a equivalência semântica ou mesmo sentimental para saudade na língua alemã. Funciona como um contraponto, pois, no restante do documentário, artistas de língua portuguesa revelam pensamentos e experiências relativas ao tema. A seleção inclui os brasileiros Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Alex Flemming, Deborah Colker, Siba, Zé Celso Martinez Corrêa, Marcos Pontes, Milton Hatoum e Johnny Hooker, além de personalidades da comunidade lusófona.

“A princípio, quando fizemos o piloto, optamos por conhecidos, amigos. Isso foi norteando o resto, todos os entrevistados têm algum relacionamento comigo. Ou eu tenho com a obra deles. Procuramos a partir dessa ótica, é uma coisa quase psicanalítica. Falando de saudade, eles falam deles mesmos de forma muito forte – daí essa proximidade para penetrar mais nas pessoas.
Por isso adotamos essa opção”, explica Paulo Caldas. Em Angola, o diretor pôde reencontrar pessoas que conheceu anos atrás, durante a gravação de um DVD.

ÁRABE Com essa variedade de personagens, cada qual com sua visão particular, o resultado é uma investigação ampla sobre a saudade, compilando de filosofias e reflexões mais vagas, quase poéticas, a teorias com embasamento histórico e factual. O escritor Milton Hatoum, por exemplo, oferece uma breve aula sobre a origem etimológica do termo, segundo ele vindo do árabe “saudá”, que significa negro. Outros explicam como abordam o sentimento em músicas, poesias ou movimentos. A cantora cabo-verdiana Mayra Andrade discute como a saudade faz parte da história portuguesa, marcada por incursões marítimas, idas sem voltas e estadas prolongadas além-mar. O Oceano Atlântico, inclusive, surge em vários planos. É um dos personagens principais de Saudade pela simbologia que representa.

Várias falas abordam aspectos sensitivos, como a memória afetiva olfativa e auditiva. A música se faz muito presente, com 15 canções na trilha sonora – três delas têm o mesmo título do filme. São composições brasileiras, portuguesas e de autores africanos. Porém, o fado predomina.

ODE Apesar da romantização desse sentimento pela cultura portuguesa, conforme o documentário evidencia em vários momentos, há quem questione a “ode à saudade”.
A multiartista lisboeta Grada Kilomba, criada em São Tomé e Príncipe, critica a melancolia e a negatividade que permeiam a ideia, influenciando as relações e o comportamento do povo português de forma nociva. Mesma postura tem o cineasta Miguel Gonçalves Mendes, que atribui às décadas de ditadura salazarista o “papel de vítima” assumido pelo imaginário coletivo da nação.

“Portugal foi o último lugar em que filmamos. Achamos que seria uma reação uníssona, mas não. Tem gente que detona esse sentimento como prejudicial, que não leva para o futuro. Então, acabamos descobrindo a versatilidade dessa palavra, que até por isso não é traduzível. Afinal, não é a mesma coisa, é muito diferente para cada um. São muitas saudades: da comida, da pessoa que morreu, de uma música, de um cheiro. Por isso é intraduzível”, comenta Paulo Caldas, positivamente surpreso com o resultado de seu trabalho.

 

“São muitas saudades: da comida, da pessoa que morreu, de uma música, de um cheiro. Por isso é intraduzível”

“Achamos que seria uma reação uníssona, mas não. Tem gente que detona esse sentimento como prejudicial, que não leva para o futuro”

Paulo Caldas, diretor
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