

O filme é dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, responsável também pelas franquias Rio e A era do gelo, igualmente produzidas pelo estúdio Blue Sky. Dessa vez, a história se passa na Espanha de hoje, com a prática generalizada de fazer selfies e o trânsito caótico de Madri presentes nas cenas, assim como uma moderna indústria frigorífica.
Embora não seja abertamente partidário da causa animal, o filme dialoga com a questão. Mais do que um touro que contraria a ordem vigente – por ser avesso à violência e negar-se a brigar –, a nova versão de O touro Ferdinando expõe também a crueldade nas relações dos humanos com os bichos. Mesmo sem nenhuma cena minimamente chocante ou inadequada a crianças, há uma sutil denúncia contra as touradas, hoje rechaçadas pela maioria da população espanhola.
Apesar de já proibida em algumas localidades e restringida em outras, a legislação nacional ainda considere a prática patrimônio histórico e cultural do país. Em uma de suas falas, o protagonista descreve as arenas como “um outro matadouro”, ao evidenciar que o destino dos bovinos nessas disputas é sempre o mesmo.
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Contudo, a trama reconduz o personagem ao mercado da tauromaquia, onde ele mostra mais virtudes além do pacifismo das versões anteriores para salvar outros touros, uma vez que os descartados pelas touradas têm o abate como destino. Além de mansinho e apaixonado pelo aroma das flores, o novo Ferdinando é corajoso, companheiro e perseverante.
Se a nova releitura cinematográfica da obra de Leaf for interpretada como ideológica, isso não será novidade. Quando lançado, na década de 1930, o livro infantil chegou a ser proibido pelos regimes ditatoriais de extrema direita na Espanha de Franco e na Alemanha de Hitler, considerado pacifista, o que vinha a ser um defeito. Em tempos de opiniões exaltadas sobre assuntos mais polêmicos, vale ressaltar que à parte as mensagens implícitas no roteiro, o filme traz uma história divertida para todas as idades, com boas cenas de ação, fotografia e direção de arte caprichadas nos detalhes para recriar os ambientes rurais e urbanos da Espanha, além de coadjuvantes carismáticos de várias espécies animais.
Diretor brasileiro diz que filme é sobre “ser honesto com o que você é”

No intervalo, Saldanha fez Rio 2, o episódio com atores de Rio, eu te amo. Mas estava escrito que ele concluiria O touro Ferdinando. O longa concorreu ao Globo de Ouro de melhor animação no último domingo (7). Perdeu para Viva - A vida é uma festa, da Pixar, que estreou no Brasil na semana passada. Com certeza, deve ir para o Oscar.
No ano passado, Saldanha, que é radicado nos Estados Unidos, veio ao Brasil mostrar cenas do filme, que ainda não estava concluído. À época, afirmou que estava muito feliz. “Para mim, era natural fazer um filme como Rio, contando a história de Blu. Sou brasileiro, estava falando da minha cultura. Aqui, precisava me apropriar de outras culturas, e foi o que fiz. O livro de Munro Leaf, ao contrário do curta da Disney – disponível no YouTube –, é praticamente desconhecido no Brasil, o que me deu toda liberdade para criar.”
Coincidência, ou não, Viva, que venceu o Globo de Ouro, tem raízes no culto dos mortos da cultura mexicana. Ferdinando é enraizado na cultura espanhola. “E eu quis fazer o filme bem hispânico. Viajei ao país, fiz pesquisas. A paleta (de cores) de Rio era natural para mim, mas tive de estabelecer o que seria a (paleta) de Ferdinando. Muito ocre, vermelho. Cores terrosas. E a história progride. Começa no campo, bucólica, com a relação de Ferdinando com a menina, sua dona. Aí ele vai para a cidade, e a feira é muito colorida. À medida que a trama progride, a multidão aumenta. Na cidade, na arena de touros. Em Rio, a cidade já era personagem, com o Blu. Aqui, é essa multidão. Isso exige planejamento, muito trabalho. Não é coisa que se faça sozinho. Posso estabelecer conceitos, parâmetros, mas é um monte de gente trabalhando. E os personagens...”
EXAGERO Saldanha explica. “Adorei fazer meu episódio para Rio, eu te amo. Trabalhar com atores, live action. Quero até ampliar essa experiência e acho que vai ser muito boa. Mas gosto de trabalhar com animais, contar histórias de bichos. Porque dá para exagerar em tudo. Nas cores, nas emoções. Foi o que fiz no Ferdinando.”
O repórter não se furta a observar que o Ferdinando da Disney é muito gay. E o seu, Saldanha? “Acho que se pode fazer essa leitura, mas não era minha intenção, minha prioridade. Para mim, a história do Ferdinando remete a uma questão visceral – você tem de ser honesto com o que você é. Ferdinando é desse jeito, gentil, e vai mudar a vida de todo mundo ao redor dele. Acho que é uma verdade básica. Cada um de nós pode fazer a diferença, mas sendo fiel a si mesmo, à sua verdade.”
Para dublar o personagem no original, Saldanha contou com a colaboração de John Cena. “Olhei para aquele cara e pensei comigo: ele tem força para me arrebentar. Mas John me disse que era o Ferdinando e ia fazê-lo com todo carinho. Trabalhei também com o Peyton Manning, que faz El Guapo.”
O diretor observa que “Peyton não é muito conhecido aqui no Brasil, mas é uma lenda nos Estados Unidos, um grande jogador de futebol americano que atuava como quarterback. O Peyton sempre teve tudo – boa-pinta, seguro de si, um líder no campo. Aí eu cheguei para ele e perguntei se nunca teve dúvida. Se nunca teve um momento de insegurança. Pois era isso que eu queria. Ele adorou fazer, se entregou, como o Johnny (Cena). E eu acho que o Ferdinando é isso. Nós somos o que somos, e o mundo será muito melhor se nos aceitarmos assim, com nossas diferenças”. (Agência Estado)