A TRAGÉDIA DE TANCREDO

Sérgio Rezende filma O paciente, sobre os últimos 36 dias da vida de Tancredo Neves

Diretor diz que longa é um thriller médico e retrata 'aquele momento agudo da vida brasileira'

Pedro Galvão

Esther Góes e Othon Bastos como Risoleta e Tancredo Neves em cena do longa-metragem, que deve estrear no segundo semestre de 2018 - Foto: Desirée do Valle/Divulgação


Figura central no processo de redemocratização do Brasil, Tancredo Neves, mineiro de São João del-Rei, além de ter gestos decisivos no plano político, foi protagonista de um drama agudo e de final trágico, semelhante às grandes histórias do cinema. Presidente eleito indiretamente, mas ainda não empossado, ele caiu doente, com um diagnóstico anunciado de diverticulite. Tancredo morreu antes de assumir o cargo, em 1985, naquele que seria o ato simbólico do fim da ditadura militar que governava o país desde 1964.


Em 2018, ano em que os cidadãos brasileiros irão novamente às urnas para escolher diretamente seu presidente, os últimos dias de Tancredo, passados em leitos de hospitais em Brasília e São Paulo, serão revividos na telona. O paciente tem estreia prevista para o segundo semestre.

“Não é um filme biográfico, não é sobre a carreira política do Tancredo, mas sobre esse episódio dramático que é a morte dele e os 30 e poucos dias que antecedem isso”, afirma Sérgio Rezende, que dirigirá a adaptação do livro homônimo do historiador Luís Mir, no formato do que ele chama de um thriller médico.
Paulo Betti interpreta o cirurgião Henrique Valter Pinotti, um dos médicos responsáveis pelo tratamento do político mineiro - Foto: Desirée do Valle/Divulgação
Com Othon Bastos no papel principal, Esther Góes como Risoleta Neves e Paulo Betti e Leonardo Medeiros interpretando os médicos Pinotti e Pinheiro Rocha, o longa teve suas filmagens concluídas e está em fase de pós-produção.

O roteiro de Gustavo Lipsztein se vale dos registros históricos de Mir, classificados por Sérgio Rezende como “um livro técnico, não romanceado, escrito a partir de prontuários, que reconstitui o dia a dia da doença dele”. Por isso, a narrativa resgata a sequência de acontecimentos, iniciada com uma suspeita de apendicite, posteriormente divulgada como diverticulite, mas que na verdade era um tumor, retirado pelos médicos – fato escondido dos noticiários.

“A trama é conduzida pelos médicos e o drama, por Tancredo e Risoleta”, afirma Rezende, cuja filmografia inclui diversos títulos relacionados à personagens e episódios da história brasileira, como Zuzu Angel (2006), Guerra de Canudos (1997), Lamarca (1994) e Mauá - O imperador e o rei (1999).

Em O paciente, a história começa dois dias antes da data da posse, quando Tancredo já apresentava sintomas negativos, como febre e mal-estar, e se estende até o fatídico 21 de abril de 1985, quando sua morte foi anunciada pelo porta-voz Antônio Britto, interpretado por Emílio Dantas. A internação decorrente das dores abdominais durante a cerimônia no santuário Dom Bosco, em Brasília, a transferência do Hospital da Base do Distrito Federal para o Hospital das Clínicas em São Paulo, entre outros momentos emblemáticos do processo acompanhando pela população em clima de apreensão e consternação estão representados, mas, segundo a direção, “90% das cenas se passam dentro dos quartos dos hospitais”.

DEMOCRACIA A angústia vivida pelo personagem principal, atordoado pela impossibilidade de tomar posse como o primeiro civil em 25 anos e ciente da importância que esse fato teria para a nação, é o ponto central do filme, na visão do ator que interpreta Tancredo. “Ninguém sabe ao certo o que aconteceu dentro do hospital com esse homem, que fez toda a trajetória para chegar ao poder e não conseguiu. Ele queria ser a democracia, não apenas presidente.

Não queria deixar nenhum rastro para o golpe militar se reerguer, e havia uma desconfiança em torno do Sarney (vice de Tancredo). Por isso não estou fazendo o Tancredo político, eu me preocupo com os 36 dias, humanamente, que esse homem passou internado e que ninguém sabe o que ele sofreu, o que passou na cabeça dele. Por isso aceitei o papel”, diz Othon Bastos, que ganhou um “reforço” na calvície proporcionado pela equipe de maquiagem.

Se ninguém sabe o que efetivamente se passou na mente de Tancredo, a pessoa que esteve mais próxima do presidente eleito foi sua mulher, Risoleta Neves. Testemunha dos fatos da época como cidadã, a atriz Esther Góes, que interpreta a futura primeira-dama, diz que se emocionou com o roteiro. “Eu estava na campanha das Diretas-Já a mil. Era presidente do Sindicato dos Artistas, profundamente envolvida. Mas quando as eleições indiretas prevaleceram, assim como muita gente, fiquei frustrada, com a sensação de que era uma manobra para não haver diretas. Então acompanhei de longe a situação, pela TV. Vi muito essa figura da Risoleta, mas não era algo que me atingia especialmente. Quando li o roteiro, fui tomada por uma emoção enorme. Fiquei profundamente tocada, como há tempos não acontecia.”

Esther faz um paralelo da época das Diretas-Já com o momento atual da política brasileira. “Eu me lembrei dos palanques, das multidões, aquela vontade de terminar a ditadura e voltar à democracia, uma emoção espetacular, que transformou o Tancredo em um ícone, um herói desse processo”.

Dona Risoleta não é a única familiar de Tancredo a aparecer no filme. Além dos filhos Tancredo Augusto (Mário Hermeto) e Inês Maria (Luciana Braga), o neto Aécio Neves, na época com 24 anos e secretário pessoal do avô, também está presente.
Lucas Drummond, o ator carioca de 26 anos escalado para o papel e que faz sua estreia em longas, deixa claro que a construção do personagem passa pela separação do Aécio atual – senador eleito por Minas Gerais, candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais e alvo de inquéritos em andamento – daquele que apenas iniciava a vida pública.

“Fazer um personagem real é um grande desafio, porque as pessoas esperam o que já conhecem dessa pessoa. Mas o ator tem que entregar aquilo que o personagem representa para a trama. O Aécio do filme, pouco se sabe sobre ele, ainda não era uma figura pública, como hoje. Não estava envolvido em nenhum tipo de polêmica, como está hoje. O maior desafio foi me desvincular da imagem que eu mesmo tenho dele atualmente e me aproximar daquele Aécio jovem, de 24 anos, que é braço direito do avô, seu grande ídolo, que ele vê ele cair doente prestes a tomar posse”, diz Lucas, adiantando que seu personagem aparece bastante no longa, até pela intimidade que desfruta com o protagonista.

No processo de elaboração do roteiro e personagens, a família de Tancredo Neves não foi procurada pela produção, que preferiu se valer dos livros – Tancredo Neves: O príncipe civil, de Plínio Fraga, além do já citado O paciente – e arquivos jornalísticos de texto, foto e vídeo. “O filme não é uma denúncia. É uma representação de um livro que está aí. Quem quiser reclamar que reclame do livro. Não é contra ninguém. Pega os fatos”, afirma Othon Bastos.

“Procuramos fazer o melhor filme possível.
Sei que não estou fazendo um blockbuster, mas quero que, num ano político, o filme possa conversar com a sociedade num nível menos superficial. Insisto em que não é sobre o Tancredo. É sobre aquele momento agudo da vida brasileira no final da ditadura”, diz o cineasta.

*O repórter viajou a convite da produção do longa

 

Quem é quem

Confira os personagens históricos e os atores que os interpretam na tela

Tancredo Neves
 - Othon Bastos
Risoleta Neves  - Esther Góes
Dr. Pinotti  - Paulo Betti
Dr. Pinheiro Rocha - Leonardo Medeiros
Dr. Renault - Otávio Muller
Antônio Britto porta-voz – Emílio Dantas
Aécio Neves - Lucas Drummond   

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