É lá onde já são realizadas as leituras e os primeiros ensaios dos longas Objetos perdidos, com roteiro original de Carvalho, e A paixão segundo GH, adaptação da obra de Clarice Lispector. As filmagens devem começar em março do próximo ano. No espaço, mantido pela Academia de Filmes, o diretor lê cuidadosamente o texto de Clarice com o grupo (“Não teremos roteiro, as cenas serão decididas a partir do livro”) e também o de Objetos Perdidos, que foi construído com a participação do escritor João Paulo Cuenca.
Trata-se de um processo que marca profundamente o ato criativo de Carvalho, processo que ele começou a desenvolver ao rodar seu primeiro longa, Lavoura arcaica, em 2001. Naquela época, ele reuniu elenco e equipe técnica em uma fazenda que serviria de locação. Lá, durante semanas, estimulou uma rotina de imersão, permitindo que o elenco descobrisse o ambiente da história, trabalhando na terra, preparando as refeições.
Em seus trabalhos seguintes, Carvalho sempre manteve idêntico processo, até mesmo quando a Globo o convidou para criar esse espaço dentro do Projac. Foi ali que ele descobriu que o artesanato é mais importante que o produto industrial. “Esse novo galpão é um espaço de resistência, de reflexão, onde assumo a formação de atores.” E lá onde nascem os futuros filmes.
FLUXO Para Carvalho, A paixão segundo GH se parece como uma versão feminina de Lavoura arcaica. “Ambos apresentam um fluxo de consciência e, diante da câmera, é preciso que se produza um acontecimento”, diz ele, que vai rodar em um apartamento de São Paulo. Assim como Objetos perdidos, A paixão deve estrear em 2020 – e juntos. “São dois filmes diferentes na forma, mas que se entrecruzam”, conta Carvalho. “Em Objetos, há uma mulher que planeja filmar o romance de Clarice.”
Será um longa sobre o cinema e seu ofício baseado na imaginação. A ideia já conta com o apoio da Paris Filmes, produtora dos trabalhos, que já tem um belo elenco, como Maria Fernanda Cândido, a modelo Marcela Vivian Russo e o bailarino Ismael Ivo, que encantou o diretor. “Quando veio conhecer o galpão, ele tomou posse de uma máscara confeccionada aqui e interagiu com os atores. Uma entrega maravilhosa.”
Quando editava a série Dois irmãos, Luiz Fernando Carvalho comentava com os colegas: “Esse trabalho será o meu réquiem”. Diretor de Hoje é dia de Maria e tantos outros trabalhos, sua insatisfação com a Globo (e vice-versa) atingira o limite. “A emissora estava equivocada por não entender o valor de um processo”, diz ele, que não aceitava mais a forma gerencial que regia seu centro de trabalho, construído dentro do Projac. “Eu era obrigado a atender aos interesses de diversos departamentos, mesmo que isso contrariasse a forma como eu queria trabalhar”, reclama Carvalho, lembrando de um desentendimento: em Meu pedacinho de chão, ele queria que a cidade fosse construída de lata, enquanto o departamento cenográfico insistia em madeira.
HIERARQUIA No galpão que hoje ocupa, aliado à Academia de Cinema, Carvalho exercita sua criação da forma que considera correta: horizontalmente e não com hierarquias.
Livre do desamparo que sentia na televisão, Carvalho alterna, na semana, os ensaios para os dois longas, que serão rodados no próximo ano e finalizados em 2019. “Encontrei, na Paris Filmes e na Academia de Cinema, a independência artística para trabalhar no meu tempo, sem a obrigação de ter o longa pronto para determinado festival.”
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