Malu Mader nunca ouvira falar em Maria Martins até ler uma reportagem de jornal, há quase 10 anos. A bonita foto da escultora mineira que levou para o bronze a tropicalidade brasileira e encantou os surrealistas nos anos 1940 chamou a atenção da atriz. “Pensei: nossa, que mulher interessante. Como nunca tinha ouvido falar dela?”, conta. A curiosidade esbarrou em uma coincidência: por meio de contatos com pessoas da família de Maria, Malu soube de um documentário sobre a artista, ainda em fase de produção. Daí foi um pulo para se tornar a entrevistadora de Maria – Não esqueça que eu venho dos trópicos, dirigido por Elisa Gomes e Francisco Martins, que estreia hoje em Belo Horizonte.
“O fato de ter sido uma mulher muito à frente de seu tempo me chamou a atenção, e vi ali a possibilidade de uma grande personagem. Comecei a pesquisar e li outras coisas”, conta Malu. Nascida em Campanha, no Sul de Minas, Maria Martins (1894-1973) descobriu a escultura aos 30 anos.
O casamento aberto e a liberdade decorrente do arranjo permitiram-lhe transitar sem amarras no meio artístico. Maria mantinha ateliê em Nova York, enquanto Carlos era embaixador em Washington. Nos EUA, a brasileira chamou a atenção dos surrealistas – gente como André Breton, fundador do movimento. Também conheceu Marcel Duchamp, o pai da arte conceitual, com quem manteve um longo e profundo relacionamento amoroso.
Os mitos amazônicos, referências aos povos da floresta e ao imaginário dos trópicos, sempre estiveram presentes na obra da mineira, chamando a atenção da crítica, especialmente nos Estados Unidos e Europa. O aspecto transgressor, a sensualidade das obras e o pioneirismo fizeram o nome de Maria Martins permanecer incompreendido no meio artístico conservador de seu país natal, até ela começar a ser redescoberta. Pesquisas recentes, como a da historiadora de arte Graça Ramos, autora de Maria Martins: escultora dos trópicos (2009), e do editor Charles Cosac, que lançou o livro Maria Martins (2010), ajudaram a reinseri-la no contexto da história da arte brasileira.
De acordo com a cineasta Elisa Gomes, o filme era o elemento que faltava para ir adiante na divulgação da obra da artista. A produção começou há mais de 10 anos e enfrentou dificuldades. Boa parte das imagens de arquivo estava indexada sob o nome do embaixador Carlos Martins. “O grande desafio foi esse levantamento, a pesquisa. Muita coisa foi difícil de encontrar porque estava no nome do marido”, explica Elisa.
Há imagens de exposições, fotografias das primeiras obras, peças hoje desaparecidas e entrevistas com os fotógrafos Miguel Rio Branco e Vicente de Melo e o curador e crítico Paulo Herkenhoff. Porém, os momentos mais surpreendentes são dedicados ao relacionamento de Maria com Marcel Duchamp.
Duas perguntas para...
Malu Mader
atriz
Para você, quem é Maria Martins?
Pra mim, Maria Martins é uma grande artista brasileira, muito pouco falada para a importância que acho que ela tem. O trabalho dela pode, num primeiro momento, ser coisa de tal força, de tal potência, que pode causar um afastamento. Tem a coisa das figuras meio monstruosas, de floresta, tem uma ligação com essa parte da natureza e tem uma coisa meio agressiva. Quando vi a obra toda junta, achei que havia ali uma artista fora do normal, extraordinária. Acho interessante a figura dela, especialmente agora que a gente está num momento de discussão do feminismo de novo, de movimentos feministas fortes, dessas palavras todas, empoderamento feminino. Nunca vi ninguém tão empoderada na minha vida quanto ela, sem precisar da aprovação de ninguém, vivendo a vida dela com liberdade. E liberdade ofende, né? Muito do que ela viveu como mulher, ex-mulher, mãe que não ficou ao lado da filha, são tabus ainda hoje.
Neste Brasil de hoje haveria espaço para Maria Martins?
Fiquei pensando muito nela agora, com essa questão (de censura) dos museus. Ela fazia vaginas, mulher de perna aberta, pelos à mostra. Tem o Étant donnés (obra mais importante de Duchamp), que é o corpo dela. Você não sabe se é uma mulher nua ou uma mulher morta, e o peito, que é a capa do livro que chamava para a exposição.