Depois da exibição daquela que é considerada a primeira animação do mundo, Fantasmagorie (1908), não tardou muito para o Brasil se aventurar pelo gênero. A charge animada Kaiser (1917), de Álvaro Martins, marcou o nascimento do cinema de animação no país, que completa 100 anos de existência em 2017.
Embora já tenha uma longa estrada percorrida na história do cinema nacional, o grande problema para o segmento da animação ainda é emplacar no altamente concorrido circuito comercial do cinema. Mesmo títulos como Lino (2017), detentor da maior arrecadação entre as animações nacionais (R$ 4 milhões), mostram um grande abismo no confronto com desenhos estrangeiros. Para efeito de comparação, Meu malvado favorito 3 é a sexta maior bilheteria do Brasil deste ano – rendeu R$ 26,2 milhões no país.
Enquanto a inserção no mercado exibidor no cinema perdura como problema, o setor segue crescente no número de títulos produzidos. Um dos expoentes da animação nacional, Otto Guerra (Wood & Stock: Sexo, orégano e rock’n’roll), de 61 anos, trabalha há quatro décadas na área e percebe uma grande evolução no mercado. “Quando nasci, era 1956 só havia sido feito um longa de animação no Brasil. Em 1973, quando comecei a trabalhar, eram três longas”, afirmou no Festival de Gramado, em agosto, quando recebeu homenagem pela carreira.
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Guerra estima que o país tenha, atualmente, cerca de 25 longas-metragens do gênero em desenvolvimento. De fato, entre os anos 1950 e 1970, foram realizados apenas Sinfonia amazônica (1951), de Anélio Latini, Presente de natal (1971), de Álvaro Gonçalves, primeiro longa colorido do país, e Piconzé (1972), de Ypê Nakashima. Na década seguinte, o gênero foi quase exclusivamente para as animações inspiradas nos quadrinhos da Turma da Mônica. Das 10 produções do período, oito eram baseadas nos personagens de Maurício de Sousa.
A década seguinte também não foi melhor e ficou reduzida a dois títulos Rocky & Hudson: Os caubóis gays (1994), de Otto Guerra, a partir dos quadrinhos de Adão Iturrusgarai, e Cassiopeia (1996), de Clóvis Vieira. Prejudicado pela extinção, no governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), da Embrafilme, o setor cinematográfico foi fortemente afetado, retomando o vigor somente alguns anos após a consolidação da Lei do Audiovisual e a implantação da Agência Nacional do Cinema (Ancine), instituída em 2001.
PRESTÍGIO Com produção hoje valorizada internacionalmente, o país já foi premiado duas vezes no mais prestigiado evento do cinema de animação, o Festival de Annecy, na França, com Uma história de amor e fúria (2013), de Luiz Bolognesi, e O menino e o mundo (2014), de Alê Abreu, ambos finalistas também no Prêmio Platino, dedicado ao cinema ibero-americano. E o reconhecimento máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood não é um sonho tão distante, acredita Otto Guerra.
Otimista, o cineasta aposta que o tão cobiçado primeiro Oscar para um filme brasileiro vai ser conquistado por uma animação. “A gente quase ganhou com O menino e o mundo”, lembra, referindo-se à premiação de 2016, que teve o título nacional entre os concorrentes, mas a estatueta acabou indo para Divertida mente, produção da norte-americana Pixar.
“O Oscar é um prêmio da indústria, é importante e tem visibilidade”, avalia, observando que, de toda maneira, a animação feita no Brasil “já virou referência mundial”. O país, inclusive, será homenageado na próxima edição do Festival de Annecy, em 2018. “Nossa cultura é muito rica, é riquíssima, é única.”
ESPAÇO NA TV Se no cinema a disputa por espaço é mais acirrada, as animações televisivas têm garantido lugar cativo na grade dos canais por assinatura, graças à Lei da TV Paga (Lei 12.485, de 2011). A legislação prevê a exibição de pelo menos 3 horas e meia de produções nacionais, em horário nobre, nos canais que exibem majoritariamente filmes, séries, animações e documentários.A medida contribuiu decisivamente para produtoras tirarem projetos do papel e hoje são exibidas perto de 50 séries animadas brasileiras na programação dos canais fechados. A maior parte desse montante é de títulos destinados ao público infantil, a exemplo de Mundo Bita, distribuída internacionalmente e sucesso também em plataformas como YouTube e Netflix.
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Destaques nacionais
Confira informações sobre pioneirismo técnico e resultado de bilheteria do cinema de animação brasileiro
Cassiopeia (1996)
Lançado como a primeira animação 100% feita em computador no mundo, o feito acabou ofuscado por uma estreante, a Pixar, que chegou na frente com o lançamento de Toy story (1995). Feito em computação, o título norte-americano não é o pioneiro por uma tecnicalidade: ao contrário de Cassiopeia, construído inteiramente em via digital, o filme estrangeiro recorreu a modelos de argila dos personagens, renderizados digitalmente.
Lino (2017)
Recém-exibido nos cinemas, o filme de Rafael Ribas alcançou a marca de quase 300 mil espectadores e é o primeiro a superar os R$ 4 milhões arrecadados. A animação brasileira mais vista, no entanto, ainda é O grilo feliz e os insetos gigantes (2009), com público de mais de 370 mil pessoas e bilheteria de R$ 1,9 milhão. O principal motivo para o maior montante arrecado em Lino tem a ver com o fato de o título ser lançado também no formato 3D, cujos ingressos são mais caros.