Há muitos filmes no novo filme de João Moreira Salles. São mais de 30, quase todos em preto e branco. Os trechos foram selecionados de documentários e arquivos sobre os acontecimentos na França, Tchecoslováquia e Brasil de 1968 – a passeata de protesto pela morte de Edson Luís Souto, seguida pelo enterro do estudante paraense durante a ditadura militar. Mas, em No intenso agora há também um filme despretensioso, em cores quentes, curioso, vibrante. Trata-se do registro visual que a mãe do documentarista carioca, Elisa Margarida Gonçalves (1929-1988), fez de viagem de turismo à China, em 1966, durante a Revolução Cultural implantada por Mao Tsé-Tung. “No final do Santiago (documentário anterior do diretor), encontrei o material da China, que eu desconhecia. Sabia da viagem, volta e meia minha mãe falava, parecia um episódio importante da vida dela. Mas não sabia das imagens”, conta João Moreira Salles em entrevista ao Estado de Minas.
Depois de descobrir relato escrito por sua mãe para a revista O Cruzeiro, João Moreira Salles percebeu, na junção de imagens e palavras sobre a China, uma Elisa como nunca tinha visto em família, “inteiramente alinhada com as forças vitais da existência, com o fato de estar viva naquele momento, naquelas circunstâncias”, conta. “Ela vai para um país em plena ebulição revolucionária, no momento mais agudo de uma revolução que nega tudo o que ela é: a classe social, as crenças, a fé. Mas ela não se horroriza. Minha mãe se encanta”, afirma o documentarista, desde 2006 editor da revista piauí.
O que sobra do contraste entre a euforia e o desencanto? Eis a pergunta que moveu o cineasta para a ilha de edição em 2011, depois de imersão em leituras e do resultado de extensa pesquisa de imagens, feita por Antonio Venancio. Com os montadores Eduardo Escorel e Laís Lifschitz, João começou a materializar o filme nascido de uma abstração, um sentimento simbolizado nos registros da mãe e dos que documentaram um dos acontecimentos mais marcantes do século 20. Algo se foi, nunca mais voltará, afirmam as imagens dos anos 1960 reunidas em No intenso agora. Nelas, a mãe do diretor, os estudantes nas ruas de Paris, a cantora tcheca Marta Kubisova (que se destacou na Primavera de Praga e depois foi silenciada), todos se mostram intensamente felizes. Ao menos por algumas semanas. Porque sempre há o depois. Ou quase sempre.
A melancolia impregna os fotogramas escolhidos por João Moreira Salles. Irradia até as pausas da narração do diretor e alcança os silêncios que encobrem as imagens.
Depois de exibições concorridas e prêmios em festivais internacionais, o documentarista se diz curioso para observar a receptividade brasileira a No intenso agora. Ele estava com a família em Paris, em 1968: “Tinha seis anos, não lembro de nada”. Em mais de uma hora de conversa antes da pré-estreia em São Paulo, chama a atenção o fato de o nome mais pronunciado durante a entrevista não ser o de Daniel Cohn-Bendit (um dos expoentes do maio de 68 na França, se é que se pode falar de lideranças), do estudante tcheco Jan Palach ou mesmo o da mãe, todos presentes em No intenso agora: é o do amigo documentarista Eduardo Coutinho, morto em 2014. “Assim como Cabra marcado para morrer era um filme que só o Coutinho podia fazer, esse meu filme também é muito pessoal. E esse é o grande risco, talvez algumas pessoas achem que as coisas mostradas não se ligam. Se isso acontecer, fico triste, mas é compreensível”, diz o diretor. “De toda maneira, foi uma etapa necessária para eu entender que dá para fazer um filme assim: com material de YouTube, celular, fotos antigas, o que for.
“A felicidade é uma espécie de competência; você tem, mas não há garantia de que irá mantê-la” - joão moreira salles
No intenso agora
Documentário, 127 minutos.
De João Moreira Salles.
Cine Belas Artes 3, 19h.