Com a reportagem “Eu sou aquele que chamaram de Garganta Profunda” publicada em julho de 2005 pela Vanity Fair, o mundo ficou sabendo a identidade de um dos maiores, se não o maior, delatores da história norte-americana. Mark Felt, ex-vice-diretor do FBI, tinha 91 anos quando decidiu “sair do armário”.
Mas Felt, morto de ataque cardíaco três anos mais tarde, não foi apenas um delator. Ao vazar informações confidenciais à imprensa, ele expôs a conspiração da administração de Richard Nixon (1969/1974) para obstruir a Justiça. Suas ações levaram à maior crise constitucional dos EUA no século 20 e à renúncia do presidente Nixon em meio a um processo de impeachment.
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Em cartaz em BH, o longa Mark Felt – O homem que derrubou a Casa Branca, de Peter Landesman (diretor de JFK – A história não contada, de 2013), traz o outro lado dessa história. Liam Neeson encarna como ninguém o personagem-título. O olhar cansado, mas não por isso menos crispado de indignação, acompanha a postura ereta (literal e simbolicamente) daquele que não se curva a ninguém, nem mesmo à Casa Branca. E não por se julgar superior, mas por seguir cegamente os preceitos do Federal Bureau of Investigation (FBI): fidelidade, bravura, integridade.
HOOVER O longa tem início com Felt num momento de transição. Com a morte de J. Edgar Hoover (1895-1972), seu primeiro e único diretor, ele deveria ser o nome escolhido para comandar a instituição. Não o é. Em seu lugar é nomeado, ainda que interinamente, L. Patrick Gray (Marton Csokas), visto pela velha-guarda do FBI como homem de Nixon.
A transição ocorre justamente na época em que o presidente republicano está em campanha pela reeleição. Em meio a esse cenário ocorre o assalto à sede do Comitê Nacional Democrata, no edifício Watergate, em Washington. O Washington Post publicou a primeira matéria sobre o ocorrido em 18 de junho de 1972.
Diante dos desmandos da Casa Branca, Felt inicia sua vendeta pessoal (seria o orgulho ferido também um motivo para o vazamento das informações?). Ao mesmo tempo, enfrenta um drama pessoal. Sua primogênita, Joan (Maika Monroe), está desaparecida há mais de um ano. E só neste momento o poderoso homem se curva. Não sabe se a filha está morta, perdida em meio à contracultura. Teme, mais do que tudo, que esteja envolvida com o grupo de extrema-esquerda Weather Underground, protagonista de vários ataques a bomba. O desaparecimento de Joan e a crise no FBI são acompanhados de perto pela mulher de Felt, a perturbada Audrey (Diane Lane, sempre ótima).
THRILLER As maquinações que Felt empreende, sempre sozinho, vão num crescendo e fazem com que o drama biográfico ganhe, por vezes, uma aura de thriller (o momento em que ele dá dicas a um repórter da revista Time em meio a uma prosaica torta de morango é um dos melhores). Os engravatados homens do FBI nem sequer desconfiam que o chefe é o pivô dos vazamentos. Felt mantém a aura de intocável, a despeito das pressões que por fim chegam a ele.
O filme não parece preocupado em clarear alguns pontos para quem não conhece a fundo o caso Watergate. Sua função é apresentar devidamente (ainda que, por vez, com muita formalidade) um personagem essencial da história, que passou 30 anos sem nome. Esse retrato só é possível graças à performance de Neeson, que, finalmente, parece ter dado um tempo das bobagens de ação no estilo Busca implacável.