Ele já foi minuciosamente biografado no documentário Pelé eterno (2004). Driblou nazistas junto com Sylvester Stallone e escapou de um campo de concentração em Fuga para a vitória (1982) e mudou de função no gramado, vivendo um repórter esportivo, em Os trapalhões e o Rei do Futebol (1986), além de outras atuações não necessariamente ligadas à bola.
Desta vez é apenas Dico, apelido que carregou da infância pobre em Bauru à consagração na Suécia, em 1958, quando o Brasil venceu sua primeira Copa do Mundo. Nesta quinta-feira (26/10), Pelé: O nascimento de uma lenda, versão hollywoodiana sobre o início da carreira do maior jogador da história, finalmente estreia nas salas brasileiras, mostrando o Rei ainda menino e falando inglês.
Lançado nos Estados Unidos no ano passado, o filme estrearia durante a Copa de 2014, mas atrasou por desacertos com distribuidoras. A produção estadunidense, assinada pela Imagine Entertainment, é dirigida por Jeffrey e Michael Zimbalist. Os documentaristas da ESPN são responsáveis por The two Escobars (2010), filme sobre a influência do Cartel de Cali no futebol colombiano e o consequente assassinato do zagueiro Andrés Escobar, autor de um gol contra, a favor dos Estados Unidos, na Copa de 94. Eles também filmaram Favela rising (2006), outro documentário, focado na vida de Anderson de Sá, fundador do grupo Afroreggae, e sua vida na favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro.
PROTAGONISTA
Com essa bagagem cinematográfica envolvendo Brasil e futebol, os dois roteirizaram a meteórica trajetória do garoto que alcançou a glória máxima no futebol ainda aos 17 anos. O protagonista é interpretado por Leonardo de Lima Carvalho na infância, e Kevin de Paula na adolescência. Kevin é jogador de futebol e foi selecionado para o papel ainda em 2013, depois de ser observado em campo por produtores. Atualmente, ele joga pelo Tigres, de Duque de Caxias, que disputa a Série B1 do Campeonato Carioca. Embora quase todo o elenco seja brasileiro, todos os diálogos são em inglês, incluindo apenas um termo ou outro em português.
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Uma das cenas iniciais remonta à história, contada várias vezes por Pelé em entrevistas, sobre a derrota da Seleção para o Uruguai, no Maracanã, na final da Copa de 1950. Ao ver o pai aos prantos, desolado com o revés, o garoto promete a ele que, um dia, venceria um Mundial pelo Brasil. Motivado por esse sonho e pelo desejo de superar a realidade de privações vivida pelos pais, o menino desfila seu talento pelos campeonatos infantis da cidade, até ser observado por Waldemar de Brito (Milton Gonçalves), olheiro responsável por sua ida para as categorias de base do Santos.
À história conhecida por muitas gerações de brasileiros, sobre como o menino Edson se tornou um artilheiro prodígio no time paulista, a ponto de ser convocado para a Copa do Mundo de 1958, são adicionados clichês típicos do cinema norte-americano, para tornar a narrativa mais emocionante e assimilável ao público estrangeiro. O medo de não poder disputar a Copa por conta de uma lesão no joelho, enfrentado pelo camisa 10, é bem explorado no roteiro, assim como o nervosismo diante da responsabilidade de representar o país tão jovem.
RIVALIDADE
Além disso, uma rivalidade fictícia entre ele e José Altafini (Diego Boneta), o Mazzola, companheiro de Seleção em 1958. Na versão cinematográfica, a mãe de Pelé trabalha na casa da abastada família Altafini e o futuro Mazzola tripudia do garoto. Na verdade, Mazzola não teve uma infância rica, nem sequer morava na mesma cidade que Pelé, embora, de fato, tenha sido substituído pelo craque durante a Copa, como mostra o filme.
Na adaptação criada pelos norte-americanos, a ascensão de Pelé é pautada por um dilema pelo qual o futebol brasileiro passava na década de 1950 – sobre jogar de forma técnica e disciplinada, como supostamente faziam os europeus, ou extravasar o talento individual e a ginga, ou “dinga”, como é falada no filme, apontado por muitos como a razão dos fracassos nas Copas de 1950 e 1954. A narrativa resgata a história da capoeira dos escravos para explicar os movimentos dos jogadores brasileiros, especialmente Pelé, que faz várias acrobacias com a bola em suas cenas de ação executadas por Kevin de Paula.
Focada no início da carreira do Rei, a cinebiografia se constitui como uma história de superações. Primeiro, a de um menino pobre que se torna o maior jogador mundo. Depois, a de um time desacreditado que acaba campeão. Em outra cena mais fantasiosa, o grupo é humilhado pelo treinador sueco, interpretado por Colm Meaney, na entrevista coletiva que precedia à final, vencida por 5 a 2 pelo Brasil.
Curiosamente, Meaney já viveu outro treinador controverso anteriormente no cinema, o inglês Don Revie em Maldito futebol clube (2009).O treinador brasileiro Feola é interpretado por Vincent D’Onofrio. Garrincha (Felipe Simas), Zito (Fernando Caruso), Vavá, Didi, Castilho, Zagallo e outros campeões também estão na trama. E até o próprio Pelé faz sua breve participação especial.
Não faltam cenas de motivação, união, além de reproduções fiéis dos gols históricos marcados contra a França, na semifinal, e contra os donos da casa, na final, em Estocolmo. O longa contou com a produção executiva de Rodrigo Santoro, que também atua como locutor, e de Pelé, que completou 77 anos na última terça-feira. A trilha sonora, com muita brasilidade no ritmo e versos em português, foi composta por A. R. Rahman, vencedor do Oscar com Quem quer ser um milionário? (2009).
Apesar do time de astros, dentro e fora de cena, e do cuidado de tornar o filme inteligível para quem é menos ligado em futebol, nos Estados Unidos, o longa não agradou muito nem à crítica nem ao público, com resultados fracos nas bilheterias, faturando menos de US$ 50 mil.