Quando 2017 chegar ao fim, o produtor Rodrigo Teixeira terá contabilizado 120 dias no exterior. Parte desse tempo ele passou no Chile, acompanhando as filmagens de Tarde para morir joven, longa-metragem da diretora Dominga Sotomayor. Mas a maior parcela foi nos Estados Unidos. Primeiramente, com a primeira ficção da documentarista Crystal Moselle, ainda sem título, sobre garotas skatistas. E num segundo momento com Ad Astra, novo filme de James Gray.
As filmagens da ficção científica protagonizada por Brad Pitt terminam no próximo 30 de outubro. Teixeira deverá voltar para os EUA daqui a alguns dias para acompanhar o fim do processo deste filme, sua porta de entrada para Hollywod.
O produtor teve que retornar este mês para o Brasil não por uma, mas por cinco razões. Sua empresa, a RT Features, é coprodutora de cinco longas que integram a programação do Festival do Rio, que termina neste domingo: o italiano A Ciambra, de Jonas Carpignano; os norte-americanos Me chame pelo seu nome, de Luca Guadagnino, e Patti Cake$, de Geremy Jasper; o brasileiro O animal cordial, de Gabriela Amaral; e Severina, coprodução Uruguai/Brasil dirigida por Felipe Hirsch.
“Já tive chance de morar fora, mas não me afasto do Brasil, apesar de todos os problemas que o país está vivendo.
CURRÍCULO Carioca radicado em São Paulo, Teixeira comemorou, em 2016, a primeira década da RT Features. Até Ad Astra, ele realizou produções independentes. Em seu currículo chamam a atenção longas como Frances Ha (2012) e A bruxa (2015) no exterior. Já no Brasil esteve envolvido em filmes como Alemão e Tim Maia (2014) e O filho eterno (2016).
Com Ad Astra, a RT Features assina pela primeira vez uma produção hollywoodiana (que tem também a Plan B, de Pitt, como produtora). “Não posso dizer que fiquei amigo dele, mas ficamos próximos, pois trabalhamos diretamente por 45 dias. É um profissional como qualquer outro, só que com uma entourage muito maior.”
Desde o ano passado, Teixeira é membro da Academia de Hollywood. “É um sonho realizado, ainda mais porque não me candidatei a virar membro, fui convidado.” E o Oscar, outro sonho de Teixeira, não parece tão distante. A Ciambra, filme que inaugura sua parceria com Martin Scorsese (a RT Features e a Sikelia, de Scorsese, se associaram para a realização de cinco produções de novos diretores), foi também o longa escolhido pela Itália para tentar uma vaga à estatueta de filme estrangeiro.
Já o drama gay Me chame pelo seu nome, com Armie Hammer (Animais noturnos) e Timothée Chalamet (Interestelar) como protagonistas, vem sendo apontado como um título forte para o Oscar. O filme, que desde janeiro, em Sundance, vem percorrendo festivais de cinema mundo afora, estreia no circuito americano em novembro (e no brasileiro em janeiro).
“Acho que o filme tem possibilidades de ser indicado.
DE AZARÃO A FAVORITO Um carro roubado levou o cineasta Jonas Carpignano aos Amato, família de ciganos de Gioia Tauro, pequeno município da Calábria, no Sul da Itália. Assim que seu veículo foi devolvido, o diretor começou a se envolver com as pessoas. O adolescente Pio Amato, de 14 anos, é o personagem que conduz a história de A Ciambra, segundo longa-metragem de Carpignano, 33.
O longa-metragem deverá chegar ao circuito comercial brasileiro entre o fim deste ano e o início do próximo. Em 23 de janeiro, serão anunciados os candidatos ao Oscar. As chances de A Ciambra estar entre os cinco selecionados para a disputa são muito boas.
Além dos méritos do filme – que levou o prêmio Europa Cinemas Label, na Quinzena dos Realizadores, em Cannes – a produção tem outros predicados. O nome de Martin Scorsese entre os produtores-executivos tem um peso enorme. Além disto, a Itália é recordista de troféus na categoria filme estrangeiro. Desde 1957, quando a categoria foi criada, soma 11 prêmios, o mais recente deles para A grande beleza (2014), de Paolo Sorrentino.
“Ainda não acredito que isto esteja acontecendo, tanto que estou tentando colocar as coisas em perspectiva. Meu primeiro longa, Mediterranea, sequer teve distribuição na Itália.
A Ciambra acompanha Pio Amato, um garoto que se recusa a viver a idade que tem. Ele bebe e fuma como um adulto. Não frequenta a escola (sequer sabe ler), mas sabe dirigir e tem um senso muito pessoal de ética com sua família. Também transita facilmente entre os diferentes grupos que vivem em Gioia: ciganos, refugiados africanos e os italianos. Quando seu irmão mais velho é preso, Pio acredita que deve tomar o lugar dele à frente dos Amato.
EXPERIÊNCIA “A Ciambra não é o tipo de filme em que o diretor tem uma ideia e depois imagina como colocá-la em ação. Ele nasceu a partir das pessoas que participam dele. Tudo o que está no filme, tudo o que o Pio diz, aconteceu com ele de alguma maneira no passado. Ou seja, foi um filme que realmente nasceu da experiência cotidiana daquele grupo de pessoas”, explica Carpignano.
Filmado com câmera na mão (na maior parte do tempo somente uma câmera), A Ciambra é quase todo falado num dialeto calabrês utilizado apenas por aquela comunidade. Trabalhar com não-atores não é novidade para Carpignano, que construiu Mediterranea também a partir da vida de um personagem, o refugiado Koudous Seihon, de Burkina Faso. Ele participa também de A Ciambra – é quem faz a ponte de Pio com a comunidade africana.
“Foi um desafio filmar os Amato, mesmo que eu os conheça muito bem. Eu sabia que eles iriam fazer o que o roteiro pedia, porque os vi fazendo aquilo no passado. Mas foi cansativo, pois, às vezes, eu tinha que convencer as pessoas a trabalhar, fazê-las manter a concentração. Para elas, foi como um jogo”, acrescenta o cineasta.
Foi Rodrigo Teixeira quem levou o roteiro de A Ciambra a Martin Scorsese. “(Ter o cineasta como produtor) Foi surreal, algo que nunca pensei que poderia acontecer. Quando comecei a filmar o longa, não conversamos, só o via como um financiador. Depois, à medida que mandava os cortes, ele passou a contribuir artisticamente. Ouvir Scorsese falar do meu filme como um espectador se tornou uma coisa muito forte para mim”, diz Carpignano
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