Descobre que não está só. Que existe, na pequena cidade onde vive, uma outra Irene. Também de 13 anos, desinibida, capaz de arrancar aplausos num desfile, de beijar o garoto de quem gosta.
As duas Irenes, que estreia hoje no Cine Belas Artes e amanhã no Cine 104, é o primeiro longa-metragem do goiano Fábio Meira. Lançado em fevereiro no Festival de Berlim, levou cinco prêmios em agosto em Gramado e participou, também no mês passado, do CineBH.
O roteiro, escrito por Meira, veio de um segredo de sua própria família. Quando garoto, o diretor descobriu que seu avô tinha duas filhas com o mesmo nome. Foram nove anos para que o filme saísse do papel e chegasse aos cinemas.
SEGREDO
O interessante aqui é que o segredo é apenas o mote para que as duas meninas se unam. Uma Irene completa a outra. Juntas, essa história de descobertas vai descortinando o processo de amadurecimento de duas adolescentes que vivem num Brasil de outrora (o local e o tempo não são determinados), mas que dialoga com o Brasil de hoje.
É um filme de sutilezas, que carrega nos símbolos. As folhas das árvores vão mudando de tom de verde no decorrer da narrativa, denotando a mudança das personagens. Há ainda muitas portas, janelas e frestas, o que pode significar uma possibilidade de virada para aquelas meninas.
Marco Ricca interpreta Tonico, o pai bígamo, e único personagem masculino relevante da narrativa. A força aqui está nas mulheres, principalmente nas duas protagonistas. A Irene da família oficial, digamos assim, é interpretada por Priscila Bittencourt. Já a segunda Irene é papel de Isabela Torres.
O longa-metragem ainda traz um pé em Minas Gerais. Duas atrizes do Grupo Galpão, Inês Peixoto e Teuda Bara, estão no elenco. Inês interpreta Neuza, a costureira apaixonada por Tonico e mãe da “segunda” Irene – é impressionante a semelhança de Isabela com a atriz. Inês e Teuda não contracenam, já que a segunda interpreta a babá da primeira família de Tonico.
três perguntas para...
INÊS PEIXOTO
ATRIZ
Você tem, nos últimos anos, feito participações no cinema. Além de As duas Irenes atuou em Redemoinho e Quase memória (ambos de 2016). Com tantos anos de teatro (35), como é fazer agora cinema?
Parto dos princípios que me formaram no teatro. É um jogo com o outro e também presença, concentração e relaxamento. Isso me rege. É uma equalização, um ajuste de expansão e retração da emoção. No teatro você expande; para a câmera você retrai.
Em uma cena de As duas Irenes, sua personagem, Neuza, remete a tantos papéis que você já fez com o Galpão, ao tocar o acordeom. De quem foi a ideia?
Antes de começarem as filmagens, fiquei dois dias em Goiás Velho para conhecer a Bela (Isabela Torres, a atriz que interpreta sua filha no filme). Aí o (diretor) Fábio (Meira) me falou que queria que eu trouxesse alguma coisa musical para a personagem. Havia duas músicas para escolher, e fiquei com Meu primeiro amor (Cascatinha e Inhana). Liguei para o Fernando Muzzi, parceiro do Galpão, e pedi que ele fizesse um arranjo ‘facinho’ dessa música para acordeom, pois eu tinha pouco tempo para me preparar. O Fábio não queria nada elaborado, então foi como uma experimentação no set.
A despeito da realidade machista que dá a partida na história, As duas Irenes é um filme extremamente feminino, não?
Após assistir ao filme, percebemos a dimensão de ver as duas mães, Neuza e Mirinha, submetidas à condição da bigamia. É uma aceitação submissa, triste. Mas, de repente, as mulheres que elas trouxeram ao mundo fazem uma grande virada nesta situação através do amor e do entendimento. O filme é um desfile de delicadezas..