A trama de O estranho que nós amamos se passa em 1864, no sulista estado da Virgínia e tem um militar ferido e isolado em campo inimigo como protagonista. No entanto, não é a guerra civil americana, esse típico ''grande assunto'', o ponto central da história de Thomas Cullinan cuja segunda versão para o cinema, dirigida por Sofia Coppola, estreia nesta quinta-feira, 10, no Brasil.
Com toda a ação concentrada na escola para mulheres onde o soldado McBurney (Colin Farrell), um combatente das tropas do Norte, encontra abrigo, o filme se constrói como um thriller psicológico em torno do desejo, esse velho conhecido da filmografia da diretora de As virgens suicidas, Encontros e desencontros e Maria Antonieta.
Sofia, que readaptou o roteiro de Albert Maltz e Irene Kamp, suprimindo a personagem da empregada negra, dirige O estranho que nós amamos com a destreza e a meticulosidade de um enxadrista. Sua estratégia é, primeiro, dispor o tabuleiro e as peças aos olhos do espectador. Depois, manejá-los com um condão de tensão crescente, em que as informações não são propriamente dadas, mas escapam com sutileza e uma dose constante de ambiguidade.
É durante um bucólico passeio na floresta que Amy (Oona Laurence), enquanto colhe cogumelos, avista McBurney, ferido. Os dois se mostram assustados e intrigados pela presença do outro, tal qual ocorre com a chegada inesperada do amor. Amy é uma menina que mal entrou na adolescência, mas é na chave do flerte que McBurney estabelecerá sua relação com ela e com as outras seis mulheres da casa comandada pela senhora Martha (Nicole Kidman, em ótimo desempenho) até onde a garota o ajuda a caminhar.
RAZÃO A lógica manda que McBurney seja imediatamente entregue aos militares do Sul, o que equivale a decretar sua sentença de morte. Mas como o coração e a razão raramente se entendem, as mulheres decidem cuidar dele e garantir sua sobrevivência, antes de delatar sua presença ali. Para isso, usam a justificativa moral de que não seria cristão agir de outra forma.
Instalado na sala de música, a arte da transcendência, e entregue aos cuidados de Martha, McBurney recebe ali um banho encharcado de sensualidade, malgrado os esforços de Martha para negá-la.
Num diálogo com Amy sobre animais silvestres, McBurney se diz apaixonado por ''tudo o que é livre e selvagem''. Não deve portanto surpreender o espectador sua escolha na hora em que ele decide dar um passo além do flerte. Mas esse gesto tem o efeito de um terremoto de emoções na casa, liberando a face contrária do desejo na forma de ódio e vingança.
Se até aqui Sofia Coppola havia adotado preferencialmente o tom da penumbra, a partir desse ponto mudam as cores do filme, em consonância com a violência dos sentimentos que substitui a atmosfera de desejo apenas insinuado. O clima de suspense passa a dominar e as justificativas morais são velozmente descartadas em nome da praticidade para se livrar de um problema.
Revelar mais sobre a trama não seria gentil com o espectador. O fato é que, com um elenco afinado e uma direção sutil e precisa, Sofia Coppola conseguiu usar a guerra civil americana como paralelo de uma outra guerra, particular, mas que pode ser também selvagem e impiedosa – a do ser humano com seu próprio desejo.
Abaixo, confira o trailer: