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Ícone do cinema francês, Jeanne Moreau foi musa do Clube da Esquina

Paris – “A morte é um mistério absoluto. Somos todos vulneráveis a ela. E é isso que faz a vida interessante e cheia de suspense”, afirmou certa vez a atriz francesa Jeanne Moreau. Morta ontem, aos 89 anos, em sua casa na Rue du Faubourg Saint-Honoré, em Paris, “a melhor atriz do mundo”, nas palavras de Orson Welles, colecionou obras e números incomparáveis. Em 66 anos de carreira, atuou em 145 produções, muitas delas icônicos filmes da cinematografia mundial. Um dos símbolos da Nouvelle Vague, Jeanne atuou sob as lentes de François Truffaut, Orson Welles, Michelangelo Antonioni, Luis Buñuel, Louis Malle e Rainer Werner Fassbinder.

Em nota oficial, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou: “Com ela, desaparece uma artista que encarnava o cinema em sua complexidade, com sua memória, com sua ambição”.

Para Jeanne Moreau, a vida não tinha momentos descendentes. “A vida é subir até sermos queimados pelas chamas”, dizia. E assim foi.

Manteve-se ativa até o fim. Sua última participação no cinema ocorreu há dois anos, com um pequeno papel na comédia Le talent de mes amis, de Alex Lutz.

Jeanne Moreau nasceu em 23 de janeiro de 1928, em Paris, filha de um restaurador e uma dançarina inglesa. A atriz dizia que ele era um homem “criado por pais do século 19”, que não suportava o fato de não poder controlar a esposa. “Isso me marcou pela raiva de ver como uma mulher poderia se deixar intimidar”, comentou.

Aos 19 anos, ela estreou como a mais jovem intérprete da Comédie-Française. O primeiro encontro com Louis Malle, no filme Ascensor para o cadafalso (1957), foi decisivo. Além de atriz, Jeanne era cantora. A trilha sonora desse longa, composta e interpretada por Miles Davis, traz a voz dela.
Um ano depois, também sob a batuta de Malle, ela filmou Os amantes, que levou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Conheceu então Marguerite Duras – Margaux, como a chamava. “Uma vez que me tornei estrela, poderia impor o tema, o diretor, o ator. Então, disse a mim mesma: vou conhecer esta mulher. Escrevi para ela, ela me recebeu”, contou Jeanne. Duras a dirigiu em Nathalie Granger (1973).

TRUFFAUT Em 1962, Jules e Jim – Uma mulher para dois deu início à parceria com François Truffaut. “Acusaram-me de várias aventuras amorosas com cineastas. Não tive 36 casos.
Com François, esse envolvimento nunca se concretizou, justamente por causa do amor dele pelas mulheres. Eu não queria ser uma entre entre tantas outras”, revelou. No mesmo ano, ela estrelava Eva, dirigido por Joseph Losey. “Um diretor extraordinário, um dos maiores com quem trabalhei”, elogiou.

O filho único de Jeanne, Jérôme, nasceu de seu casamento com o realizador Jean-Louis Richard, que terminou oficialmente em 1964. Em 1992, ela recebeu o César de melhor atriz por La vieille qui marchait dans la mer. A partir daí, “Jeanne, a francesa”, como era chamada no exterior, tornou-se uma espécie de embaixadora do cinema de seu país.

OSCAR Em 1998, fez uma pequena e simbólica participação em Para sempre, Cinderela, produzido e estrelado por Drew Barrymore – versão mais determinada e independente da clássica personagem do conto de fadas. Naquele mesmo ano, recebeu das mãos de Sharon Stone um Oscar honorário por sua carreira. Em 2000, tornou-se a primeira mulher eleita para integrar a Academia de Belas-Artes francesa. Vencedora do prêmio de melhor intérprete em Cannes em 1960 (por Moderato cantabile), foi a única atriz a presidir duas vezes o júri do festival (em 1975 e 1995).

Jeanne Moreau se dizia “mística e frívola”, capaz de agonizar pela tragédia em Darfur, mas também de amar a elegância e as coisas bonitas. Gostava de comparar a vida a um jardim “que nos é dado no nascimento” e que deveríamos “deixar bonito no momento de abandonarmos a Terra”.

Musa do Clube da Esquina

 

“O Brasil me apaixonou imediatamente”, revelou Jeanne Moreau ao jornalista Luiz Carlos Merten, em 2009.
A diva filmou com Cacá Diegues duas vezes: fez uma ponta em Os herdeiros (1970) e protagonizou Joana, a francesa (1973), cujo tema, composto por Chico Buarque, tornou-se clássico da MPB.

A atriz é também musa do Clube da Esquina. Na BH dos anos 1960, Milton Nascimento e Márcio Borges entraram no Cine Tupi às 14h para assistir a Jules e Jim e só saíram de lá às 20h. Foi uma epifania. Dali nasceram as canções Novena, Gira girou e Crença. Muitos anos depois, já famoso, Bituca foi levado por um amigo a um apartamento, em Nova York. Quando a porta se abriu, lá estava Jeanne. Ele chorou, contou-lhe de sua admiração. Entre lágrimas, ela disse: “Como é bela a arte, Milton. Trabalhamos numa coisa aqui e vamos tocar a alma de quem nem sabemos e nem onde. Ontem fui eu, Truffaut.
E agora você. Que lindo e que responsabilidade”.

Ontem, o músico postou em sua página no Facebook uma carta que recebeu da atriz. “Fico muito contente em ser uma das faíscas que acenderam o fogo da sua arte”, escreveu ela. “Viva Jeanne Moreau!”, despediu-se Bituca. 

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