Hanks é o big boss, o diretor-executivo de uma poderosa empresa de tecnologia, Circle. Você pode ver nela a Apple ou a Google, uma dessas superpotências planetárias com sede no Vale do Silício. Dirigidas por gente descolada, informal, com funcionários que fazem seus próprios horários, podem trabalhar de bermudas, mas precisam se dedicar ao emprego com a convicção dos antigos cruzados. Enfim, essas empresas são objetos do consumo de 100 entre 100 jovens recém-formados e fascinados por tecnologia.
Mae Holland (Emma Watson) não é diferente. Ela vegeta num call center da vida enquanto cobiça o emprego de uma amiga, já instalada no tal do Círculo. Um dia, essa amiga a indica e Mae consegue ser contratada. Tem talento e cresce.
O Círculo propõe sua utopia às avessas através de um fenômeno bastante contemporâneo e palpável – a diminuição do espaço íntimo, através dessa servidão voluntária às redes. Através das redes sociais desfilamos nossas vidas antes privadas aos olhares alheios. As empresas estimulam esse comportamento e lucram com ele. A vida transformou-se em espetáculo público em tempo integral. Como toda droga, essa também perde seu efeito com o tempo. E, assim, as empresas são desafiadas a inventar novas emoções – todas em benefício do público e com o consentimento deste, é claro.
Distopias são interessantes quando conseguem impregnar nosso imaginário com cenários consistentes e por isso assustadores. O clássico é 1984, de George Orwell, já amplamente superado pela realidade, mas que ainda mantém seu valor simbólico como pioneiro. As telas do Grande Irmão, instaladas às escondidas nas casas dos cidadãos, parecem brinquedos de criança se comparadas aos fatais algoritmos, que decifram nossos gostos e tendências mais recônditos e os colocam a serviço do mercado. O Círculo poderia ter ido mais fundo nessa questão. Mas já é um começo. (Luiz Zanin Oricchio/Estadão Conteúdo) .