Ganhadora do Oscar de melhor atriz coadjuvante, Geena Davis sempre questionou por que a presença feminina em produções audiovisuais era tão menor do que a masculina. Para tentar responder a essa questão, ela criou o Instituto Geena Davis e juntou uma série de pesquisadores que analisam filmes para medir o quanto as mulheres estavam representadas ali. Mas havia um problema: o processo era limitado e permitia apenas que poucos longas fossem analisados.
Em parceria com o instituto, o Google desenvolveu uma solução que fez com que tudo se tornasse mais fácil. Um software desenvolvido pela empresa é capaz de identificar e quantificar a presença e a fala de mulheres em filmes. Para começar, o projeto analisou os 100 produções americanas de maior bilheteria lançadas entre 2014 e 2016.
“Foi revolucionário. Ninguém conseguiu fazer isso antes com precisão”, comemorou a atriz. Com o sistema, tudo que levaria meses para ser quantificado agora pode ser acessado praticamente em tempo real.
Se o avanço tecnológico do projeto é animador, os números revelados mostram que ainda há muito a evoluir. A presença feminina é esmagadoramente menor do que a masculina nas produções analisadas, ainda que filmes protagonizados por mulheres, segundo o estudo, rendam 16% a mais, em termos de bilheteria, do que os estrelados por homens.
O tempo de tela das mulheres, calculado em relação à duração das produções, é de apenas 36% nos 100 filmes analisados. Já o tempo de fala das atrizes é de 35%.
A pesquisa separou os dados por gênero. O terror é o único em que as atrizes aparecem mais do que os atores, com 53%. Nessa categoria, personagens femininas costumam ser retratadas como histéricas e desesperadas. O terror é seguido pelo romance e pela comédia, que contam, respectivamente, com 45% e 40% de tempo de tela para as mulheres.
O estudo analisou filmes premiados com o Oscar 2015 em todas as categorias. O resultado também revela a disparidade. Nos vencedores, o tempo de tela das mulheres é de apenas 32%, o de fala alcança 27%.
BRASIL Os dados apontados pelo Google comprovam o questionamento feito há anos pelas brasileiras. Dentro ou fora das telas, a visibilidade feminina segue em baixa no país quando comparada à masculina, mesmo com movimentos sociais como a Primavera Feminista, que deu fôlego a essas reivindicações.
Paula Sacchetta, diretora do documentário Precisamos falar do assédio, exibido na última edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, acredita que o software, se for usado em títulos brasileiros, traria números tão discrepantes quanto os hollywoodianos.
“Que tipo de mulher querem que a gente seja? A que está na tela, muitas vezes, é a que fala menos que os homens, ou que só aparece falando sobre eles. Precisamos inverter essa lógica. Que a mulher possa ser o que quiser”, ressalta.
Para a cineasta paulista, que dirigiu um filme sobre o assédio em diferentes esferas, é importante que essa cobrança se estenda a áreas específicas, como a dos festivais. “Quando lancei Precisamos falar do assédio em Brasília, meu filme estava na mostra paralela. Eu e Dea Ferraz, outra diretora que fala sobre feminismo, questionamos se havia mulheres na mostra competitiva. Como aceitaríamos estar em uma mostra se não tivesse representatividade da mulher?”, relembra.
Malu Andrade, gestora cultural e criadora do grupo Mulheres do Audiovisual no Brasil, com 12,7 mil participantes inscritas no Facebook, afirma que a pesquisa do Google em parceria com o Instituto Geena Davis poderá, futuramente, ser agregada a outras iniciativas.
“O curioso é que a maioria esmagadora dos filmes não recebe o selo de aprovação. As exceções são os dirigidos ou codirigidos por mulheres, ou roteirizados por elas”, critica. Entretanto, Malu argumenta que pode haver mudanças no futuro. Sobretudo com a presença feminina no comando da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Na semana passada, o presidente Michel Temer encaminhou ao Senado Federal o nome de Fernanda Farah de Abreu Zorman, gerente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para comandar a Ancine.