Um dos sentidos do verbo sonhar é desejar algo com persistência. Empregado para designar tudo que se quer com intensidade, nomeia o aguardado. É o prenúncio do que ainda não é, mas que tem potência para transformar a realidade. Esse verbo deveria ser conjugado por pessoas de todas as idades – em especial, por crianças e jovens, impreterivelmente no ambiente escolar. Mas, diante da realidade brasileira, a juventude sonha?
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Nas periferias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, nas comunidades ribeirinhas de Belém ou no árido sertão nordestino, não é diferente a realidade das escolas públicas. Todas enfrentam os mesmos problemas: da falta de estrutura ao impacto de questões externas, como a violência e a gravidez na adolescência, tanto no rendimento dos estudantes quanto no empenho de professores.
Os entrevistados acreditam na educação, a despeito de todos os desafios. E professores fazem diferença na vida dos alunos. Nome de destaque na literatura marginal pela atuação em saraus e slams de poesia, Mel Duarte conta que o recado deixado no seu caderno por uma professora, quando cursava a quinta série, foi fundamental para que se interessasse pelos versos.
O longa foi rodado nas cinco regiões brasileiras, com locações em oito estados, 15 cidades e 150 entrevistados. Foram sete meses para desenvolver o projeto, quatro de filmagens e oito para a montagem.
Os jovens não são apáticos, têm plena consciência do momento que estão vivendo e querem que a escola seja um local estimulante, onde possam viver esse período criativo e intenso que é a juventude. “Deixem os jovens livres para inventar sua narrativa. Deixem os jovens inventarem o mundo”, diz um dos educadores.
A trilha sonora exerce papel fundamental ao conduzir as narrativas de maneira poética. A música faz com que a discussão sobre educação não fique meramente no campo técnico, como é fácil ocorrer em se tratando de um campo de conhecimento. Entre os especialistas entrevistados estão a secretária de Estado da Educação de Minas Gerais, Macaé Evaristo, e Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação.
O argumento do filme foi dado pelo superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, que lida diretamente com o ensino médio público. Ricardo defende a importância de escutar o jovem. “É preciso colocar a educação em discussões na mesa do jantar de todos os brasileiros, nas rodas de conversas com amigos, na mesa do bar”, diz, destacando a importância e o valor da educação para a sociedade e o desenvolvimento do país.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Cacau Rhoden
Direção e argumento
De onde vem a ideia para produzir o filme?
O Instituto Unibanco tem know how de trabalhar com escolas públicas por desenvolver projetos em parcerias com as secretarias de estado da educação há muitos anos. Eles contactaram a Maria Farinha em função de outros projetos humanitários e outros filmes de impacto social (filmes transformadores). Queriam uma obra audiovisual sobre a gestão escolar. Quando nos chamaram, pensamos em qual formato poderia ser: série para TV, série para internet, telefilme. Então, me debrucei sobre o assunto e propus que fizéssemos um filme que não fosse institucional. Que tirasse todo esse caráter e fosse um espelho da realidade dos jovens nas escolas públicas do Brasil.
Como desenvolver essa narrativa?
Os documentários cinematográficos não são reportagens. São histórias com tantas curvas dramáticas quanto numa ficção. Cobrir escala imensa que é o Brasil, que é muito diverso, não é fácil. Nos propusemos – poque é um trabalho em equipe – desenvolver coletivamente do ponto de vista criativo. Optamos por contornos mais emocionantes, sem ser sentimentaloide, para envolver as pessoas numa questão que é urgente e emergencial para se entender todas as outras mazelas do Brasil, não só as que implicam na educação. É um ciclo. A educação impacta nas questões de violência e desigualdades sociais e vice-versa. Não poderia tampar o sol com a peneira. Se tornou clichê a ideia de que educação e cultura são as únicas soluções para o Brasil sair de problemas tão grandes. Mas é clichê porque é uma absoluta verdade.
O filme é centrado no depoimento dos jovens. Como foi o processo para se aproximar dos jovens e eles pudessem conceder depoimentos tão íntimos?
O filme é um convite para a escuta. Para que se escute os meninos. Temos aí uma reforma do ensino médio muitíssimo nebulosa. Temos que fazer uma reforma que não piore as desigualdades sociais. Em uma reforma que tem como objetivo instrumentalizar o conhecimento tem como resultado que os pobres continuarão pobres. Não pode restringir a educação ao conhecimento instrumentalizado. O ensino tem que ser mais universal, ligado à vida. Sou contra a reforma. A gente nunca parou para ouvir quem está no front. O filme é um convite para que se coloque o assunto na pauta, no debate cotidiano. Educação é um ato político. As pessoas falam de política nas redes sociais, às vezes, com substância, outras, não. Do mesmo jeito que se fala da novela e do futebol é urgente falar sobre a educação, botar o assunto na mesa do bar, no encontro de família. Os estudantes querem uma escola que funcione, uma educação eficiente. O filme não quer propor soluções mirabolantes, não é uma tese sobre educação.
NUNCA ME SONHARAM
Filme de Cacau Rhoden
Disponível na platatorma Videocamp